Projeto Semear, da Embrapa, tem o potencial de alcançar até 14 mil pequenas e médias propriedades
Caique Medeiros da Silva sempre assistiu os pais na condução das estufas de pepino, pimentão e tomates que a família mantém no município de São Miguel Arcanjo (SP). Ainda menino, gostava de ajudar na irrigação ou participar da colheita. Aos 15 anos, em 2021, se tornou sócio do pai em duas das 11 estufas distribuídas e 16 mil metros da propriedade.
“Depois que aprendeu a cuidar das hortaliças, ele passou a tomar conta sozinho de duas estufas. Eu comprava os insumos e ele entrava com a mão de obra e recebia como pagamento 35% do valor da venda”, conta Cleyton Dias da Silva.
Mesmo satisfeito com o trabalho e com a renda, Caíque cogitava ir embora de São Miguel Arcanjo assim que terminasse os estudos no Ensino Médio. “Eu pensava em sair do sítio porque não via muito futuro ali”, lembra. Mas os planos do jovem, hoje com 18 anos, mudaram depois da implantação do Distrito Agro Tecnológico (DAT) no município.
A criação dos DATs foi a forma que a Embrapa encontrou para implantar a transformação digital no campo para pequenos e médios produtores rurais. Os distritos levam aos produtores o conceito de “Fazendas Inteligentes” e foram criados para gerar impacto econômico e social no agronegócio em escala nacional dentro do Projeto Semear, que é uma iniciativa colaborativa. Há dois anos, estão em funcionamento dois pilotos do projeto nos municípios paulistas de Caconde e São Miguel Arcanjo, ambos no estado de São Paulo.
A união de produtores em um DAT permite gerar, especialmente no caso de pequenos e médios produtores, economia de escala equivalente à de um grande produtor, reduzindo barreiras e facilitando a adoção das tecnologias digitais no campo. Além dos dois DATs já em operação, o projeto Semear pretende desenvolver ações de inclusão digital em dez municípios distribuídos pelas cinco regiões do País. A iniciativa tem o potencial de alcançar até 14 mil pequenas e médias propriedades rurais.
Conectividade muda tudo
A primeira mudança que Caíque notou foi a velocidade da internet no sítio. “Antes a gente recebia 1 megabyte e não conseguia fazer nada. Agora são 50 megabytes. Consigo fazer pesquisas e tirar dúvidas sobre a plantação”, conta o jovem, que atualmente cuida sozinho das duas estufas, sendo o responsável direto pela compra dos insumos, manejo e comercialização. “Eu aprendo todo dia sobre como melhorar a produtividade, combater pragas e comercializar a safra”, diz.
Foi fazendo pesquisas na internet que Caíque experimentou o cultivo da variedade de tomate sweet heaven que não era produzida por seu pai. Foi assim também que descobriu que uso de defensivo biológico é mais eficiente e econômico que o químico.
“Jovem gosta de tecnologia. Depois que melhorou a internet no sítio o Caíque se animou. Ele descobre muita novidade que a gente não sabia. Estes dias me ensinou até a depositar cheques pelo celular, e eu não preciso mais ir até a cidade só pra fazer isso”, conta Joseane Ferreira de Medeiros Silva, mãe de Caíque.
O jovem agricultor conta que consegue uma renda entre R$ 6 mil e R$ 7 mil por mês quando a safra é boa. “Nenhum trabalho na cidade me daria um salário assim”, diz. Para Cleyton mais importante do que Caíque já ter uma renda é saber que ele continuará a atividade da família.
“A sucessão familiar na pequena propriedade é uma questão de sobrevivência do negócio, porque se os filhos vão embora não há continuidade”, diz pesquisadora da Embrapa Digital, Luciana Alvim Romani. Segundo ela, essa situação foi considerada na criação do projeto. “Jovens se interessam pelo digital”, diz.
Agricultura digital no Brasil
Uma pesquisa coordenada pela Embrapa em 2020, que abordou a percepção dos produtores rurais brasileiros sobre a agricultura digital, mostrou que 84% dos agricultores utilizam, pelo menos, uma tecnologia digital em seu sistema de produção. No entanto, possuem dificuldades para melhorar seu processo produtivo.
Entre os motivos destacados estão o alto valor do investimento para a aquisição de máquinas, equipamentos ou aplicativos (67%); problemas ou falta de conexão em áreas rurais (48%); valor para a contratação de prestadores de serviços especializados (44%); falta de conhecimento sobre quais as tecnologias mais apropriadas para o uso na propriedade (41%); custos operacionais (36%); falta de capacitação própria (35%); acesso a créditos (35%).
A partir destes dados, após a escolha dos dez municípios, que foram selecionados a partir variáveis e indicadores que levaram em conta aspectos sociais, econômicos e ambientais de cerca de 600 municípios brasileiros, foi realizado um mapeamento com as principais demandas dos produtores.
“Os temas mais evidenciados se referiam a gestão da propriedade, compra e venda de insumos, comercialização, escoamento e certificação da produção, rastreabilidade, crédito rural e manejo agronômico”, conta a pesquisadora da Embrapa.
Foi na comercialização que a agricultora Renata Cristina Amgartte percebeu as vantagens de participar do DAT de São Miguel Arcanjo. “Antes nós vendíamos a safra pelo valor que o comprador estipulava, agora nos informamos sobre as cotações e fazemos nosso preço”, conta a ex-professora que nutriu por anos o sonho de comprar o sítio onde hoje mantém cinco estufas cultivadas com pepino, tomate e pimentão.
Até 2016 Renata dava aulas e o esposo Everton Bendito Luz era mecânico de motos. Em 2013, conseguiu finalmente comprar o sítio tão sonhado, mas como moravam na cidade, ela e o esposo colocaram parceiros para cuidar das plantações. “Eu vi que não estava funcionando, então em 2016 resolvi sair do emprego e cuidar só das hortaliças”.
Everton ainda se manteve na oficina mecânica, mas em 2022, depois da implantação do DAT, as coisas começaram a melhorar na pequena propriedade que abriga 8 mil metros de estufas. Com isso, Everton decidiu fechar a oficina e trabalhar no sítio com a esposa. Desde então conseguiram quitar as dívidas, comprar um trator e reformar as estufas.
“Agora participamos de programa de capacitação do Sebrae sobre formação de custos. Aprendi a fazer um caderno de campo para saber o valor real do custo de produção“, diz Renata.
De acordo com Fabricio Lira Figueiredo, gerente de desenvolvimento de negócios em Agronegócio Inteligente do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD), parceiro da Embrapa na implantação do DAT de São Miguel Arcanjo, onde o perfil é a produção de hortifrútis e de uvas, houve adesão formal de 60 produtores ao programa.
“Após o levantamento das principais demandas, foram eleitas algumas prioridades, entre elas a contratação de um provedor de internet e a parceira com uma empresa de manejo de pragas e doenças”, conta.
A Maneje bem, especializada em assistência técnica para pequenos agricultores de forma remota, foi a startup escolhida, por possuir uma rede de especialistas que conseguem auxiliar o produtor por meio de aplicativo. “Eles também atuam minimizando o uso de defensivos químicos”, conta o gerente.
Outra startup parceira é a Muda meu Mundo, que aproxima o produtor do cliente permitindo que o agricultor defina o preço final de venda. “No eixo da conectividade construímos um modelo que pode ser replicado em outras regiões”, diz Figueiredo.
São parceiros do Centro Semear Digital: a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) também integra o consórcio ao lado do Instituto Agronômico (IAC/SP), do Instituto de Economia Agrícola (IEA/SP), Universidade Federal de Lavras (UFLA) e do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), além do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD).
No DAT de Caconde, o primeiro instalado no País, 232 produtores aderiram ao projeto, dos quais 93% se destinam ao cultivo de café. De acordo com estudo do IEA, parceiro da Embrapa na implantação do DAT de Caconde, no tocante às perspectivas de uso das tecnologias digitais na propriedade, 85,3% sinalizaram que iriam utilizar na gestão da propriedade, 61,9% pretendem usar para previsão de riscos climáticos como geada, granizo, veranico e chuvas intensas e 51,9% para certificação e rastreabilidade da produção agrícola.
“Como as demandas variam em cada região é importante que projeto de inclusão digital envolva e ouça os produtores sobre suas demandas”, diz a pesquisadora da Embrapa.