Cultura

Cearense viraliza com relato sobre homofobia na roça: ‘Precisei ir embora para sobreviver’

As oportunidades profissionais e a grandiosidade de São Paulo encantam Francisco Amailson Vieira desde 2009. O jornalista de 33 anos mora sozinho na cidade mais populosa do Brasil, mas o amor verdadeiro é por Piquet Carneiro, no Ceará. Ao mesmo tempo em que pensa com carinho no município de pouco mais de 16 mil habitantes …

As oportunidades profissionais e a grandiosidade de São Paulo encantam Francisco Amailson Vieira desde 2009. O jornalista de 33 anos mora sozinho na cidade mais populosa do Brasil, mas o amor verdadeiro é por Piquet Carneiro, no Ceará.

Ao mesmo tempo em que pensa com carinho no município de pouco mais de 16 mil habitantes e a 300 quilômetros de Fortaleza, não esquece o preconceito que vivenciou na infância em razão da homossexualidade.

Desde pequeno, Chico ajudava os pais nas lavouras de arroz, feijão, milho e também com a criação de animais na propriedade rural. No entanto, sentia que a homofobia, aos poucos, o afastava do campo.

Para conseguir ser feliz e se expressar, dois desejos tão simples, decidiu mudar-se para a capital paulista há 15 anos. Os comentários e piadas ficaram para trás quando passou pela porteira do interior e trocou o verde da natureza pelo ambiente urbano cheio de prédios e carros.

Recentemente, o cearense compartilhou nas redes sociais um vídeo com a legenda “uma dor e uma delícia de ser quem se é”, onde desabafa sobre o que aprendeu “sendo um gay criado na roça”. Na publicação, ele emocionou os seguidores ao contar que foi chamado de “mulherzinha” e “vagabundo” apenas por gostar dos afazeres domésticos e não ter disposição para o trabalho braçal e que dava risada da própria chacota para sobreviver.

A resposta por abrir o coração foram milhares de comentários de solidariedade e relatos pessoais semelhantes e tristes. A percepção do preconceito foi notada anos depois e quando já estava em São Paulo, explica à Globo Rural.

“Quando a gente está vivendo toda aquela represália de um menino gay morando na roça no meio do machismo e da cultura que tem que ser homem, só queremos sobreviver. Para conseguir isso, criamos artimanhas até bater asas e voar”, diz.

A história de Chico não é única. Ela é mais uma entre tantas no Brasil. Isso porque, questionamentos e opiniões sobre a masculinidade são comuns e retratam a realidade de milhares de pessoas LGBTQIAP+ que vivem ou trabalham no campo.

Para não passar por determinadas situações, muitos optam por manter os desejos reprimidos ou buscar outras alternativas. No caso de Chico, que seguiu a segunda opção, ela lhe trouxe liberdade, conhecimento e descobertas. “Hoje, sinto orgulho de quem sou, o quão longe cheguei e do mundo que se abriu perante os olhos”.

A infância

Chico é um dos sete filhos de Raimundo e Gesomira Vieira e viveu no meio rural até os 17 anos. No ambiente preferido, gostava dos banhos no açude, de ficar com os pés descalços, de comer frutas direto do pé e de pescar.

O que não agradava era o trabalho pesado na lavoura por causa do calor intenso e das altas temperaturas do Nordeste. O esforço para realizar algumas atividades não era aprazível ao jovem cearense e resultava em homofobia.

“Nunca gostei da lida. Na verdade, não tinha coragem de enfrentar o sol escaldante para aquela realidade tão difícil. Ajudava apenas no período das plantações”.

Enquanto buscava aproveitar a infância da forma mais tranquila, Chico não conseguia manifestar as emoções sem ser reprimido.

O jornalista era alvo de comentários de quem ele menos esperava, como tios, primos e outros parentes, pessoas que o conheciam bem e sabiam das suas qualidades. Mas isso pouco adiantava.

“Cresci ouvindo as palavras ‘bichinha e vagabundo’, todas em tom de xingamento e rebaixamento, como se ser chamado de mulherzinha fosse um demérito. Sempre admirei as mulheres”, fala.

O filho de produtores rurais precisou fortalecer o psicológico para lidar com a homofobia. Ao mesmo tempo, voltou os olhos aos estudos para ter outras possibilidades que, infelizmente, precisavam ser longe de Piquet Carneiro.

Olho no futuro

Os pais e irmãos ainda moram no interior do Ceará. E é para lá que Chico pretende retornar em algum momento da vida, apesar de saber que quem é LGBTQIA+ segue sendo vítima de preconceito na roça ainda em 2024.

“Tenho a sensação que meus pensamentos não comportam aquele lugar, apesar de amá-lo e me identificar com minhas raízes. Sinto que o lugar é pequeno demais para o que sonhei e me tornei. É como se quase nada tivesse evoluído no que tange as pautas sociais. E tenho certeza que só me respeitam pelo fato de ter tido acesso a lugares, serviços e informações que, aos olhos deles, me tornaram uma pessoa culta, inteligente e “diferenciada” dos gays que lá ficaram”, finaliza.


Fonte: Globo Rural