O desembolso total de crédito rural no Plano Safra 23/24, finalizado no último domingo (30/6), chegou a R$ 398,7 bilhões, de acordo com dados parciais extraídos ontem do sistema do Banco Central. O valor é 11% superior ao montante liberado na temporada anterior (22/23), de R$ 359,1 bilhões, mas ficou abaixo da disponibilidade anunciada para pequenos, médios e grandes produtores no ciclo, de R$ 435,8 bilhões.
O desempenho foi puxado pela alta expressiva na participação dos bancos privados no desembolso de crédito. Essas instituições liberaram R$ 102,9 bilhões de julho de 2023 a junho deste ano, incremento de quase 57% ante os R$ 65,6 bilhões da temporada anterior.
Liderados por Bradesco (R$ 23,7 bilhões), Itaú (R$ 19,6 bilhões) e Santander (R$ 18,1 bilhões), os bancos privados voltaram a ultrapassar as cooperativas de crédito no ranking de desembolsos — posto que foi perdido na safra 2022/23 — e ficaram atrás apenas das instituições financeiras públicas, que liberaram R$ 220,6 bilhões puxadas pelo Banco do Brasil.
O aumento da obrigatoriedade de aplicar recursos captados pelas Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) em operações de financiamento rural, que passou de 35% para 50% na safra 2023/24, explica o forte desempenho dos bancos privados.
As LCAs foram a principal fonte de recursos do crédito rural e expandiram a participação no bolo geral, de 26,1% na safra 2022/23 para 39,5% em 23/24, com desembolso de R$ 157,58 bilhões. O título tem isenção de imposto de renda para os investidores e tem atraído cada vez mais o interesse do mercado. Em maio deste ano, o estoque estava em R$ 471,1 bilhões. Desse montante, ao menos R$ 253,6 bilhões devem ser aplicados em financiamentos rurais.
O aumento nos índices de direcionamento das LCAs exigiu adequações nos bancos para cumprir a necessidade de aplicação dos recursos. O governo deve promover nova elevação nas exigibilidades no Plano Safra 2024/25 para até 70%.
Especialistas destacam que os bancos privados adaptaram suas carteiras e impulsionaram a aplicação das LCAs em linhas para comercialização e industrialização, consideradas operações de menor risco em ano de queda nos preços das commodities e de efeitos da adversidade climática no campo.
As linhas de comercialização subiram 44,7%, de R$ 35,6 bilhões para R$ 51,5 bilhões na safra 23/24. No caso da industrialização, os desembolsos dobraram e atingiram R$ 31,2 bilhões. Cerca de 70% desses valores tiveram como fonte as LCAs. Os programas são usados geralmente por empresas e cooperativas na etapa posterior à produção, para apoiar a venda ou estoque de produtos e o processamento.
“O recurso do crédito rural está sendo canalizado para as melhores operações, não para produzir e sim para comercializar e industrializar, que têm risco quase zero”, disse Ademiro Vian, consultor em finanças do agronegócio e ex-diretor da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban). Ele prevê continuidade da expansão das LCAs no Plano Safra 24/25 devido à atratividade do título.
Ivan Wedekin, ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e consultor em crédito rural, destacou, no entanto, que as LCAs também têm aumentado a participação nas linhas de investimentos. Foram R$ 16,2 bilhões na safra 23/24, cerca de 17% do total na categoria. “Na origem, esse título era mais para capital de giro. Agora, o combustível da expansão do crédito foi a LCA a juros livres, que acabou tapando o buraco de outras linhas que tiveram mais dificuldade de recursos, inclusive nos investimentos”, disse.
Segundo ele, os bancos “deram conta do recado” para cumprir as exigibilidades crescentes dessa fonte e encontraram saída nas linhas de comercialização, industrialização e investimentos. “O direcionamento obrigou os bancos a se mexerem em cenário de taxa Selic ainda alta”, afirmou.
Para Carlos Aguiar, diretor de Agronegócios do Santander, o desempenho dos bancos privados poderia ter sido ainda melhor se não fosse a queda nos preços das commodities. As renegociações e os alongamentos de operações também frearam a expansão das carteiras dessas instituições, além da demanda um pouco mais fraca devido à queda dos custos de produção. “Tivemos um crescimento robusto até dezembro de 2023 e depois seguramos bem devido à queda na produção e principalmente queda nos preços”, disse.
Os desembolsos para as linhas de custeio e investimentos ficaram praticamente estáveis. Quando atualizados pelo IPCA do período, de 4,32%, os valores apresentam retrações, aponta Ademiro Vian.
“A produção em si ficou estagnada e até decresceu se levar em conta o custo. Na prática, tivemos involução do custeio e um decréscimo efetivo nos investimentos”, completou. A queda foi nos grandes produtores. O acesso aumentou 36% pelos pequenos agricultores do Pronaf (R$ 25,6 bilhões) e 80,6% no Pronamp, para médios produtores (R$ 4,5 bilhões).
No geral, o Pronaf cresceu 11,4%, com desembolso de R$ 59,2 bilhões. No Pronamp, a liberação ficou estável em R$ 49,3 bilhões.