Startups e centros de pesquisa adaptam ferramentas de monitoramento climático para identificar fogo em lavouras ou em matas nativas
Dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), já colocam 2024 como um dos anos em que mais houve registros de focos de incêndios na última década. Em setembro, o país contabilizou mais de 80 mil focos, número cerca de 30% superior à média histórica — os dados do Inpe datam de 1998. Mas, mesmo que a quantidade de focos não extrapole as médias históricas no último trimestre de 2024, este será o ano com o maior número de focos desde 2010, quando o Brasil teve 319,3 mil registros.
Agtechs e universidades brasileiras têm buscado desenvolver ferramentas, algumas delas com inteligência artificial, que permitam antever os riscos climáticos e ajudem os profissionais do agronegócio nas tomadas de decisão. A Agrotools, por exemplo, lançou há dois anos uma ferramenta de monitoramento climático via satélite. A empresa atualizou a tecnologia em 2024, e agora o serviço também conta com alerta para focos de incêndio.
Segundo Lívia Rocha, gerente de gestão e relacionamento com cliente da Agrotools, o diferencial da solução é que o monitoramento via satélite capta informações duas ou três vezes ao dia. Assim, ela é capaz de detectar rapidamente eventuais alterações nas áreas de interesse do cliente.
A ferramenta utiliza inteligência artificial para analisar as informações que ela capta, gerando um relatório de dados preciso que subsidia a tomada de decisões de maneira mais ágil, segundo a gerente. A transmissão das informações ocorre diariamente, e é possível acessá-las via WhatsApp, e-mail ou sistemas operacionais da companhia, além do próprio sistema da Agrotools. Com esses dados em mãos, bancos e cooperativas de créditos, assim como produtores, podem avaliar fatores de risco climáticos para cultivos e para a pecuária.
A startup Bio2Me tem desenvolvido sensores para identificar sinais de incêndio no Cerrado. A empresa diz que trabalha para lucrar mantendo o bioma em pé, explorando economicamente árvores de baru, pequi e baunilha, entre outros bioativos.
Segundo Cláudio Fernandes, o principal executivo da Bio2Me, as queimadas são o maior inimigo da iniciativa da startup, que atua em Cavalcante, no nordeste de Goiás, com o cultivo de castanha de baru, um fruto de alto valor agregado nativo do Cerrado. Assim como para o agronegócio tradicional, os focos de incêndios são um grave problema para as áreas de preservação. “É o pior problema. Não tem seguro para mata nativa, falta maturidade do mercado financeiro”, afirma ele.
A Bio2Me ainda não está utilizando a tecnologia, mas ela é a aposta de Fernandes para a empresa dar um passo além na proteção da biodiversidade do Cerrado. “Os sensores se antecipam a qualquer sinal de incêndio, umidade e temperatura, alerta de caça e desmatamento ilegal, dentre outros”, diz. A empresa tem trabalhado no projeto em parceria com o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD) e a Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
Além dos incêndios, a tentativa de antever períodos de seca tem se tornado prioridade em algumas regiões. Com o objetivo de prever “secas-relâmpago”, Humberto Barbosa, meteorologista e pesquisador da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), liderou o desenvolvimento de um modelo computacional capaz de projetar a intensidade e a duração desse fenômeno. As secas-relâmpago são um extremo climático de curta duração e forte intensidade, que têm grandes impactos ambientais.
O modelo, que usa inteligência artificial, tem informações históricas do semiárido brasileiro, mas o especialista afirma que é possível usá-lo para qualquer município do país “com precisão superior a 90% e pelo menos dez dias de antecedência”. Durante o estudo, a ferramenta previu possíveis eventos de seca-relâmpago na época que mais chove no semiárido brasileiro, entre fevereiro e maio, pelos próximos 26 anos, de 2024 a 2050. A conclusão é de que a bacia do Rio São Francisco sofrerá com secas-relâmpago mais severas nas próximas décadas.
“As nossas descobertas demonstram que as secas-relâmpago serão mais extremas na bacia do Rio São Francisco. Isso impõe desafios significativos à gestão dos recursos hídricos em toda a região Nordeste, além da redução na produtividade da agricultura”, afirma o pesquisador.
Segundo Barbosa, a tecnologia que alimenta o algoritmo com informações históricas de um certo período é um avanço na pesquisa tradicional de aprendizado da inteligência artificial. Os pesquisadores a projetaram para que o computador note padrões de um grande conjunto de dados, a partir de um conjunto de informações que ele receber.
Barbosa afirma que a tecnologia promete ser mais ágil e precisa do que um modelo convencional. “Modelos tradicionais de previsão são algoritmos complexos baseados em física atmosférica e levam horas para rodar. Modelos de inteligência artificial podem criar previsões em questão de segundos”, diz.