
Estados Unidos e China anunciaram uma trégua na guerra comercial, prometendo reduzir tarifas e ampliar o comércio agrícola. À primeira vista, parece o retorno da diplomacia ao mundo dos negócios. Mas, por trás da foto oficial e das palavras cautelosas, o que se vê é uma pausa estratégica, não o fim de uma disputa que define o século XXI.
Uma trégua tática em uma guerra estrutural
O acordo entre as duas maiores economias do planeta não representa reconciliação, mas gestão temporária da rivalidade. Desde que a China ultrapassou os EUA em produção industrial e se aproximou em inovação tecnológica, Washington deixou de ver Pequim como parceira e passou a tratá-la como adversária.
As tarifas são apenas um sintoma. A raiz da disputa está em quem controlará o futuro, a inteligência artificial, os semicondutores, as rotas marítimas e as cadeias de abastecimento. É um duelo de modelos políticos e econômicos, em que ambos querem ser a força dominante do planeta.
Trump aposta em um retorno industrial movido a protecionismo e corte de impostos. Mas essa estratégia tem se mostrado cara, ineficiente e isolacionista. Boa parte da produção americana já migrou para o território chinês nas últimas três décadas, um movimento difícil de reverter com decretos ou bravatas.
Enquanto isso, a China joga o jogo longo, investe pesado em tecnologia, energia limpa e infraestrutura global, da Ásia à África e à América Latina. Sua estratégia é de hegemonia paciente, não de explosões momentâneas.
Alimentos, o calcanhar de Aquiles chinês
No entanto, há uma vulnerabilidade estrutural que a China ainda não conseguiu superar: a comida. O país pode dominar a robótica, os chips e o 5G, mas depende do mundo, e, sobretudo, do Brasil, pois é confiável e preparado para produzir o alimento que precisa.
Com uma população de 1,4 bilhão de pessoas e terras agrícolas limitadas, Pequim traçou uma meta de autossuficiência apenas para arroz e trigo. Soja e milho, essenciais para sua gigantesca indústria de ração e proteínas, são importados em larga escala. E, nesse campo, o Brasil é insubstituível.
Em 2025, cerca de 65% da soja comprada pela China veio do Brasil. Em alguns meses, essa fatia passou de 80%. Além disso, o país asiático se tornou o maior comprador de carne bovina e de frango brasileiros, consolidando uma parceria estratégica que resiste a crises e discursos políticos.
Mesmo quando Pequim alterna compras dos Estados Unidos, por razões diplomáticas, o fluxo sempre retorna ao Brasil. A soja brasileira é mais competitiva, está livre de tensões militares e vem de um fornecedor que não impõe condições geopolíticas.
Esse cenário coloca o Brasil em uma posição estratégica singular. Num mundo em que as duas potências brigam por chips, satélites e armas, quem garante comida tem poder. Mas esse poder só se sustenta com credibilidade sanitária, eficiência logística e estabilidade interna.
O país precisa reforçar a vigilância contra pragas e doenças, manter acordos fitossanitários e ampliar a infraestrutura de portos, ferrovias e armazenagem. Cada falha, um surto de gripe aviária, um embargo logístico, pode abrir espaço para concorrentes ou provocar perdas bilionárias.
Além disso, o Brasil deve aprender a transformar grão em valor. Exportar soja é importante, mas exportar proteína animal, biocombustível e derivados é o caminho para blindar margens e criar empregos. O mundo paga mais por inteligência e sustentabilidade do que por toneladas brutas.
A atual trégua entre EUA e China pode durar meses. Mas o confronto por hegemonia global vai continuar, na tecnologia, na moeda, no comércio e na influência política.
No entanto, a fome não tira férias. E é aí que o Brasil entra como o fornecedor confiável de alimentos que a China não pode dispensar, país com dimensão continental que produz o ano todo
Se o país souber preservar sua estabilidade institucional e sua imagem de produtor seguro, essa dependência se tornará um ativo estratégico, não apenas econômico, mas geopolítico.
Enquanto Estados Unidos e China disputam quem comanda o mundo, o Brasil tem a chance de se consolidar como quem o alimenta.

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política
As opiniões e conceitos emitidos nos textos desta sessão são de inteira responsabilidade de seus autores. Ajustes no texto podem ser feitos para adequação às normas de publicação.
Fonte: Canal Rural.







 
							   
							  

 
									



