Economia

Setor leiteiro pode entrar em crise se demanda não aumentar

O problema reside no fato de que os consumidores não estão conseguindo arcar com os preços atuais dos produtos lácteos

Extração de leite de vaca.Foto: Wolfgang Ehrecke.

Uma nova crise se aproxima para os produtores brasileiros de leite, de acordo com a avaliação da Lactalis, uma importante empresa francesa líder no mercado nacional de lácteos.

O aumento das importações de produtos lácteos, devido à diferença de preços entre a matéria-prima nacional e aquela fornecida pela Argentina e Uruguai, deve pressionar as margens do setor a partir de junho.

No primeiro quadrimestre de 2023, o Brasil importou quase 70 mil toneladas de leite, creme de leite e laticínios (exceto manteiga ou queijo), conforme dados da plataforma ComexStat do governo federal. Esse volume é mais de três vezes maior do que as importações registradas entre janeiro e abril do ano passado, que totalizaram 21 mil toneladas.

Além disso, houve aumento nas importações de manteiga e outras gorduras derivadas do leite, passando de 1,04 mil para 1,55 mil toneladas, e de queijo e coalhada, de 7,5 mil para 12,4 mil toneladas.


Preocupações com os preços

Patrick Sauvageot, CEO da Lactalis para a América Latina, ressalta que, se o consumo não acompanhar esse ritmo de crescimento, haverá excesso de leite no mercado.

O problema reside no fato de que os consumidores não estão conseguindo arcar com os preços atuais dos produtos lácteos.

Segundo Sauvageot, historicamente o leite importado pelo Brasil de seus vizinhos sul-americanos é 15% mais barato do que o nacional. No entanto, a disparada dos preços no Brasil fez com que essa diferença percentual dobrasse este ano.

Dados do Observatório da Cadeia Láctea Argentina (Ocla) mostram que, enquanto o leite brasileiro foi vendido por cerca de 55 centavos de dólar em março, o argentino e o uruguaio tiveram médias de 41 e 42 centavos de dólar, respectivamente.


Exportações argentinas e uruguaias batem recordes

No corrente ano, a Argentina exportou 34,6 mil toneladas de leite, creme de leite e laticínios para o Brasil, superando as 12,6 mil toneladas registradas no mesmo período de 2022. Já o Uruguai aumentou os envios de 5,8 mil para 28,7 mil toneladas entre janeiro e abril.

Roberto Jank Jr, vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), destaca que as importações mensais não atingiam os níveis deste ano desde 2016. Ele ainda menciona que “o Uruguai nunca mandou tanto leite para cá como nos últimos dois meses”.


Competição acirrada por fornecedores e risco de reversão da tendência

Natália Grigol, analista do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP, observa que as importações de lácteos têm aumentado progressivamente desde 2015.

Em 2023, esse crescimento está mais significativo devido à redução da oferta interna de leite nos últimos dois anos, causada pela estiagem no Brasil e pela forte alta global dos preços dos grãos.

Essa situação tem causado uma mudança na estrutura do setor, gerando uma competição acirrada por fornecedores, segundo Grigol. Ela ressalta que o quadro atípico deste ano tem reflexos nos preços, os quais subiram em janeiro, período em que normalmente deveriam estar mais baixos.

Há risco de os valores caírem nos próximos meses, quando, geralmente, ocorreria um aumento, devido às importações. Portanto, observa-se uma reversão da tendência.


Desafios estruturais e debate sobre intervenção governamental

Patrick Sauvageot afirma que aumentar a produtividade do rebanho e a qualidade do leite no Brasil, em comparação com outros grandes produtores globais, ainda é um desafio estrutural. No entanto, é necessário fornecer condições para que o setor consiga superar esses desafios.

O executivo defende que o governo intervenha para evitar uma nova crise no setor decorrente de quedas abruptas nos preços. Ele considera importante impor limites às importações. Segundo Sauvageot, o risco de um desequilíbrio com a intervenção estatal seria menor do que deixar o mercado como está.

No entanto, Jank, um dos principais produtores de leite do país, e Natália Grigol não acreditam que o governo consiga restringir as importações. Jank destaca que essa medida implica várias questões, uma vez que o Brasil também exporta produtos para a Argentina e o Uruguai.


Fonte: Globo Rural.