
Quando um país diminui as tarifas de importação em um cenário de persistente inflação, a ação é frequentemente vista como um movimento de pragmatismo econômico. Nos Estados Unidos, no entanto, a recente decisão do governo Trump de reduzir em 10 pontos percentuais as tarifas sobre diversos produtos alimentícios e commodities agrícolas assumiu um caráter político, ainda que mascarado como uma medida para aliviar o bolso do consumidor.
O objetivo declarado é amenizar a pressão sobre os preços da cesta básica americana, um fator que prejudica ainda mais a baixa popularidade do presidente. Contudo, um detalhe relevante chama a atenção na lista de beneficiados: o Brasil foi deixado em desvantagem. Mantemos tarifas de 40%, somadas às já existentes, com exceção de um único produto, o suco de laranja, cuja alíquota foi zerada. Uma concessão mínima e seletiva.
A mensagem subjacente a essa escolha é poderosa demais para ser ignorada. Se o objetivo é diversificar fontes de suprimento, incentivar a concorrência e baratear alimentos no mercado americano, a exclusão justamente de um dos maiores exportadores agrícolas do mundo carece de sentido econômico. Possui, sim, uma lógica ideológica.
O Brasil continua arcando com um custo que não reflete a qualidade ou a competitividade de seus produtos. A penalidade tem motivação política, resultado de discordâncias crescentes e de uma percepção equivocada, em Washington, sobre o papel geopolítico brasileiro. Para nossos concorrentes diretos, a redução tarifária representa um benefício imediato: obtêm acesso mais acessível ao maior mercado consumidor global. Para nós, resta o recado de que a afinidade diplomática tem mais peso do que a eficiência comercial.
É fundamental nomear o que está ocorrendo: uma ação que desequilibra as regras do jogo. Em vez de neutralidade nas tarifas, presenciamos favoritismo. Em vez de pragmatismo, um ressentimento estratégico. Os EUA seguem utilizando sua política comercial como uma extensão de sua política externa, algo que o Brasil conhece bem, mas que não deveria aceitar passivamente.
Em um momento em que as cadeias produtivas globais buscam segurança e previsibilidade, assistir à maior potência mundial empregar tarifas como ferramenta ideológica enfraquece o sistema como um todo. Ao final, o consumidor americano não alcança eficiência real, apenas troca um fornecedor competitivo por outro menos competitivo, porém politicamente mais conveniente.
O Brasil precisa reagir, mas com inteligência. Não se trata de intensificar discursos, mas sim de deixar claro para os americanos e para o mundo que decisões desse teor acarretam custos reputacionais e econômicos. Nossa competitividade no agronegócio não depende do ânimo da Casa Branca, mas o acesso ao mercado deles, sim, e essa relação exige transparência e respeito.
Se a intenção de Washington é controlar a inflação, é positivo. Mas se a estratégia é punir o Brasil ao mesmo tempo em que beneficia nossos concorrentes, estamos diante de algo mais complexo: um jogo de poder disfarçado. E cabe a nós expor essa situação, com clareza, para que o debate internacional abandone as conveniências políticas e retorne a ser pautado por fatos, mérito e equidade.

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política
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Fonte: Canal Rural.








