Arroz em crise: safra de grãos no Brasil se destaca positivamente

Safra de grãos recorde contrasta com crise do arroz, onde custos superam o valor e produtores enfrentam prejuízos. Novas aplicações energéticas buscam agregar valor ao cereal.

grão de arroz
Foto: Erasmo Pereira/Epamig

Ainda que o Brasil vislumbre uma safra recorde de grãos, o setor arrozeiro atravessa um cenário adverso: a área cultivada e a produção registram queda, coincidindo com um momento em que os custos de produção excedem o valor comercial da saca. O desânimo entre os produtores do Rio Grande do Sul, estado responsável por mais de 70% da produção nacional de arroz, reflete um aspecto menos divulgado da força do agronegócio brasileiro. Há uma expectativa de retração de 10% na área plantada.

O presidente da Associação dos Agricultores de Dom Pedrito, Edinho Fontoura, sintetiza o dilema enfrentado pelos produtores. “A saca de arroz está sendo comercializada em torno de R$ 50, mas o custo para produzi-la alcança R$ 90. O produtor está ciente de que está operando com prejuízo, mas persiste no cultivo por ser um profissional dedicado.”

Um levantamento conduzido pelo Instituto Riograndense do Arroz (Irga) indica que mais de 70% das áreas de cultivo no estado já foram semeadas, totalizando 640 mil hectares. Essa movimentação sugere que a projeção de 920 mil hectares para a safra 2025/26 não será atingida, em comparação com os 970 mil hectares cultivados na safra anterior. Adicionalmente aos desafios na área plantada, muitos agricultores se encontram descapitalizados, o que os leva a reduzir investimentos em práticas como a adubação, em virtude da elevação nos preços dos insumos.

Os produtores gaúchos acumulam cinco anos agrícolas marcados por adversidades climáticas: quatro estiagens severas e, pelo menos, uma grande enchente.

Dados compilados pelo Centro de Estudos e Pesquisas Aplicadas à Agricultura (Cepea) explicam o sentimento de desalento entre os produtores do Rio Grande do Sul. Em outubro, a saca de 50 quilos registrou uma média de R$ 58, representando uma diminuição de 6,2% em relação ao mês anterior e uma queda expressiva de 51,4% quando comparado ao mesmo período do ano passado. No acumulado do ano, a redução nominal chega a 43,2%.

O agricultor Arno Walter Lausch, residente em Maçambará, na região centro-oeste do estado, finaliza o plantio em 1,2 mil hectares na Fazenda Celeiro. Ele expressa a esperança de uma recuperação nos preços até a colheita. “Somos produtores que empregam alta tecnologia, o que demanda um investimento considerável. O arroz desempenha um papel crucial na rotação de culturas, pois beneficia o solo para o plantio subsequente de milho e soja. Esperamos que os preços melhorem e que nosso trabalho seja devidamente valorizado.”

O grupo Lausch, reconhecido no agronegócio do centro-oeste gaúcho, administra outras quatro propriedades rurais, próprias e arrendadas. Cristiano Marques Lausch, filho de Arno e administrador do grupo, destaca os vultosos investimentos realizados para garantir a irrigação de toda a produção de arroz. “Investimos quando os preços estavam favoráveis e, agora, torna-se desafiador cobrir esses investimentos com os rendimentos da lavoura, em função da atual conjuntura de preços baixos”, relata.

Balança Desigual

Apesar de figurar como o segundo maior exportador de arroz fora do continente asiático, o Brasil ainda necessita importar o cereal em períodos de menor oferta interna. Essa dualidade expõe fragilidades relacionadas à competitividade e aos desafios logísticos da cadeia produtiva.

Na última safra, o país colheu 12,8 milhões de toneladas, volume que superou o consumo doméstico, estimado em cerca de 11 milhões de toneladas. Para a próxima safra, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projeta uma redução para 11,4 milhões de toneladas, uma queda de aproximadamente 10%.

Com a desvalorização do arroz no mercado interno, o Brasil tem a oportunidade de expandir suas exportações. A Conab prevê um aumento de 31% no volume embarcado para o exterior, alcançando 2,1 milhões de toneladas este ano, impulsionado pelo excedente de produção no mercado interno. Neste ano, o arroz brasileiro foi majoritariamente direcionado a países africanos, como Senegal e Gâmbia, e a nações americanas, como Cuba e Peru.

Por outro lado, o volume de importações deve permanecer estável, em 1,4 milhão de toneladas. O Brasil adquire arroz principalmente de países vizinhos, como Argentina, Paraguai e Uruguai, que são seus principais fornecedores.

Segundo a Conab, a importação de arroz é fundamental para a estabilização do mercado interno, prevenindo situações de escassez e aumentos excessivos de preços quando a produção nacional não atende à demanda esperada.

Em cenários de superávit produtivo e consequente queda de preços, o governo pode intervir através de leilões de aquisição para recompor seus estoques de cereais e auxiliar os agricultores no escoamento de suas safras. Neste ano, foram destinados R$ 300 milhões para operações de contratos de compra de 200 mil toneladas do cereal, com preços negociados acima do valor de mercado.

Segurança Alimentar

O arroz é um componente essencial na cesta básica do consumidor brasileiro, e iniciativas visam estimular seu consumo. Em 27 de outubro, a Associação Brasileira da Indústria de Arroz (Abiarroz) lançou a campanha “Arroz Combina”, focada em reforçar a valorização do produto no mercado doméstico.

Além de promover a inclusão do alimento no dia a dia dos brasileiros, a iniciativa busca harmonizar a oferta e a demanda no país. Enquanto o consumo interno se manteve estável nos últimos anos, a produção registrou crescimento, gerando um desequilíbrio nos preços.

Em outra frente de atuação, a indústria trabalha ativamente na prospecção de novos mercados. Por meio do projeto de exportação Brazilian Rice, desenvolvido em colaboração com a ApexBrasil, a Abiarroz realiza missões comerciais, participa de feiras internacionais e promove ações de aproximação com potenciais compradores estrangeiros.

Nos meses recentes, representantes do setor orizícola participaram de agendas em países como México e Nigéria, integrando missões organizadas pelo governo. Adicionalmente, importadores mexicanos foram recebidos no Rio Grande do Sul.

Em outubro, o arroz brasileiro marcou presença com estande próprio na Foodex Saudi Expo, realizada em Riad, na Arábia Saudita. Ainda este ano, o setor participará da US Private Label Trade Show, nos Estados Unidos.

Novos Usos Energéticos

Enquanto o arroz perde espaço em algumas lavouras, ele ganha relevância em novas aplicações industriais. A casca e o farelo se transformam em fontes de energia e biodiesel, e o grão busca agregar valor em uma economia de baixo carbono. De acordo com o presidente do Irga, Eduardo Bonotto, o arroz possui potencial para integrar a cadeia produtiva do etanol de cereal, seguindo o exemplo do milho e do trigo.

A produção deste biocombustível já ocorre em algumas unidades industriais, utilizando o arroz quebrado, um subproduto do processo de beneficiamento com menor valor comercial.

Adicionalmente, os subprodutos do beneficiamento de arroz podem ser explorados de forma mais eficiente: o farelo na fabricação de biodiesel e a casca, utilizada na queima direta como combustível para caldeiras.

“Já contamos com diversas usinas de biocombustível em operação no Rio Grande do Sul, e outras estão em fase de instalação. Algumas delas já utilizam a casca do arroz como fonte de energia, o que contribui para a redução do consumo de madeira nesse processo. Trata-se de um novo mercado sustentável que se abre para o produtor de arroz”, avalia Bonotto.

Fonte: Canal Rural.