
Mau cheiro, contaminação da água, da vegetação e do pescado têm afetado o ecossistema do Brejo da Flexeira, uma área fundamental para a Comunidade Quilombola de Maria Joaquina, em Cabo Frio, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro. Nos últimos quatro anos, o local foi seriamente comprometido pelo despejo irregular de esgoto, cuja origem está relacionada à instalação de uma rede de drenagem pela Prefeitura de Cabo Frio em 2022, com manilhas que desembocam no brejo. Por meio de ligações clandestinas feitas por moradores e comerciantes próximos ao quilombo, o esgoto é lançado de forma irregular na área.
Moradores do quilombo e o Ministério Público Federal (MPF) denunciam que a prefeitura é a principal responsável pela poluição. O órgão entrou com uma ação civil pública nesta semana, solicitando medidas urgentes para resolver o problema de forma definitiva. A administração municipal afirmou que o caso está sendo avaliado pelas áreas técnica e jurídica, e que providências serão tomadas com base nas conclusões.
Segundo Rejane Maria de Oliveira, coordenadora da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), a obra de instalação da rede de drenagem continuou mesmo após notificações do Ministério Público. Ela destaca que os impactos têm sido ambientais, econômicos e culturais. “O manilhamento foi feito em cima do pesqueiro. O mau cheiro ficou grande, e as pessoas não podem mais pescar, porque está caindo esgoto e produto químico”, afirmou.
Ela também ressaltou que o brejo sempre foi fonte de alimento e água para a comunidade, além de um espaço de lazer. “Ele faz parte da nossa história, da nossa vida. Agora, não serve para mais nada. Já estamos com poucas terras, com dificuldades para plantar. Com mais esse impacto, o quilombo não vai suportar”, lamentou.
Há registros de impactos à saúde na comunidade, com moradores apresentando lesões na pele relacionadas à água contaminada. “As pessoas contraíram manchas no corpo que permanecem até hoje. Depois descobrimos que a única coisa em comum era a água”, contou Rejane.

O MPF instaurou um inquérito civil em março de 2023, após mais de dois anos de investigação, incluindo reuniões, visitas ao local e vistorias técnicas realizadas em parceria com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Apesar de ações pontuais, como notificações, vistorias e instalação de sistemas de tratamento, o procurador Leandro Mitidieri afirma que essas medidas não foram suficientes para cessar a poluição.
Laudos técnicos da Defensoria, datados de novembro de 2024, revelaram a continuidade de ligações clandestinas e despejo de esgoto, além da presença de produtos químicos na tubulação. O MPF pede que a Justiça Federal determine, em caráter liminar, a remoção imediata de todas as ligações clandestinas e ações de despoluição do brejo, com prazo de até 90 dias para comprovação das medidas.
Também é solicitado que o município desfaça as obras de manilhamento irregular e construa uma nova rede que impeça futuros despejos no território quilombola. Além disso, o órgão exige uma indenização por danos morais coletivos de pelo menos R$ 1,2 milhão, parte destinada ao Fundo de Direitos Difusos e outra a uma associação representativa da comunidade.
Como alternativas à indenização, a comunidade sugere medidas no mesmo valor, como implantação de tanques de piscicultura, construção de um restaurante comunitário, instalação de fornos para produção cerâmica e programas de educação ambiental. Rejane destaca a importância dessas ações: “Nada vai pagar o que já aconteceu, mas a gente precisa de alternativas. Tanques de peixe são importantes, porque o brejo vai demorar a voltar ao normal.”
Hoje, cerca de 420 pessoas, distribuídas em aproximadamente 120 famílias, vivem no Quilombo de Maria Joaquina, que possui reconhecimento de território de 165 hectares emitido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em dezembro de 2024. No entanto, a titulação definitiva ainda aguarda análise.
Poluição persistente
A liderança quilombola reforça que o próprio quilombo nunca despejou esgoto no brejo e mantém sistemas de fossa e sumidouro adequados. Para ela, demarcar e titular territórios de povos tradicionais é a melhor solução ambiental. “Nós nunca jogamos esgoto no brejo, porque sabemos a importância dele para nossas vidas. Sempre o preservamos”, afirmou.
Rejane também destaca a relação de preservação das comunidades quilombolas com a natureza: “Se você for em qualquer comunidade quilombola e aldeia indígena, vai ver que a maneira como nos relacionamos com a natureza é diferente. Não destruímos, não poluímos, não queimamos. Preservamos, porque amamos.”
Lideranças quilombolas veem o despejo de esgoto como uma forma de racismo ambiental. “Tudo de ruim querem jogar para o quilombo. Hoje, é o esgoto. Amanhã, pode ser um lixão. Por que essas coisas não acontecem no centro da cidade? Desde o começo, percebemos que essa poluição era claramente um caso de racismo ambiental”, afirmou Rejane.
Reparação
A Prefeitura de Cabo Frio informou que recebeu o expediente do MPF referente ao Brejo da Flexeira e que encaminhou a demanda às secretarias responsáveis para análise jurídica e técnica. A administração afirmou ainda que, com base nas conclusões, adotará as providências cabíveis, reafirmando seu compromisso com a proteção ambiental, a transparência e o diálogo institucional.
Também é exigido que o município desfaça obras de manilhamento irregular e construa outra rede que impeça novo despejo no território quilombola.
O órgão requer indenização por danos morais coletivos de, no mínimo, R$ 1,2 milhão, com parte destinada para o Fundo de Direitos Difusos e outra para associação representativa da comunidade.
Como alternativa à indenização, estão medidas sugeridas pela própria comunidade, no mesmo valor que permitam: implantar tanques de piscicultura, construir restaurante comunitário, instalar forno para produção cerâmica e implementar programas de educação ambiental.
“Nada vai pagar o que já aconteceu, mas a gente precisa de alternativas. Tanques de peixe são importantes, porque o brejo vai demorar a voltar ao normal”, explica a quilombola Rejane.

Racismo ambiental
Atualmente, cerca de 420 pessoas, distribuídas em aproximadamente 120 famílias, vivem no Quilombo de Maria Joaquina. São descendentes de ex-escravizados da antiga Fazenda Campos Novos.
A comunidade possui portaria de reconhecimento de território de 165 hectares, emitida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em dezembro de 2024. Porém, a titulação definitiva do território ainda é aguardada.
A liderança quilombola destaca que o próprio quilombo nunca despejou esgoto no brejo e mantém sistemas de fossa e sumidouro apropriados. Demarcar e titular territórios de povos tradicionais é tida como a melhor solução ambiental, argumenta.
“Nós nunca jogamos esgoto no brejo, porque sabemos a importância dele para nossas vidas. Sempre o preservamos”, diz Rejane.
“Se você for em qualquer comunidade quilombola e aldeia indígena, vai ver que a maneira como nos relacionamos com a natureza é diferente. Não destruímos, não poluímos, não queimamos. Preservamos, porque amamos”, complementa.
Nesse sentido, lideranças quilombolas entendem que o despejo de esgoto no território deles pode ser caracterizado como racismo ambiental.
“Tudo de ruim querem jogar para o quilombo. Hoje, é o esgoto. Amanhã, pode ser um lixão. Por que essas coisas não acontecem no centro da cidade? Desde o começo, percebemos que essa poluição era claramente um caso racismo ambiental”, diz Rejane.
Posicionamento da Prefeitura
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Cabo Frio enviou a seguinte nota:
“A Prefeitura de Cabo Frio informa que recebeu o expediente do Ministério Público Federal (MPF) referente ao Brejo da Flexeira e encaminhou a demanda à Secretaria Municipal de Serviços Públicos, pasta técnica responsável, bem como à Procuradoria Geral do Município, para análise jurídica, para apuração dos fatos e realização de estudo técnico da área.
Com base nas conclusões, o Município adotará as providências cabíveis, dentro de suas competências legais, reafirmando seu compromisso com a proteção ambiental, a transparência e o diálogo institucional”.
Fonte: Agência Brasil








