Facções criminosas na Amazônia aumentam 32% em um ano e preocupam autoridades

Estudo lançado na COP30 alerta para intersecção com crimes ambientais

Rio de Janeiro (RJ) 12/05/2024 - Polícia Federal fecha garimpos clandestinos na Terra Indígena Kayapó, no Pará
Foto: Policía Federal/Divulgação
Rio de Janeiro (RJ) 12/05/2024 – Polícia Federal fecha garimpos clandestinos na Terra Indígena Kayapó, no Pará
Foto: Policía Federal/Divulgação

O informativo da facção criminosa Comando Vermelho (CV) tem circulado pelos grupos de WhatsApp entre pessoas envolvidas no garimpo ilegal em Alta Floresta, na região amazônica do Mato Grosso. Desde meados de outubro, tornou-se obrigatório o cadastro e pagamento de mensalidade para todos que operam com balsas e escarientes, equipamentos utilizados na extração mineral em grande escala.

Mensagens obtidas indicam que os criminosos afirmam que “todos os trabalhos ilegais dentro do estado de Mato Grosso são prioridade e voltados à organização”. A facção estabeleceu uma data de pagamento entre os dias 1º e 8 de cada mês, com valores variando conforme o equipamento utilizado. O grupo alerta sobre as consequências de não cumprir as regras, dizendo que “aqueles que não estiverem fechando com nós será liberado o mesmo ser roubado e também ser brecado de trabalhar. Se por acaso insistir, será queimado sua máquina e poderá perder até mesmo a própria vida por estar batendo de frente”.

Um estudo divulgado nesta quarta-feira pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, durante evento na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), revela o avanço das facções criminosas na Amazônia Legal. A quarta edição do levantamento, “Cartografias da Violência na Amazônia”, aponta que o crime organizado está presente em 344 dos 772 municípios da região, representando um crescimento de 32% em relação a 2024, quando estavam em 260 cidades. A Amazônia Legal inclui os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.

Segundo o estudo, essas organizações, majoritariamente ligadas ao narcotráfico, veem na região uma oportunidade para ampliar suas atividades ilícitas e lavagem de dinheiro. “Essas facções, majoritariamente ligadas ao narcotráfico, veem na Amazônia e nos crimes ambientais novas formas de ganhar dinheiro e lavar dinheiro”, explica a diretora-executiva do fórum, Samira Bueno. Ela destaca a necessidade de o Estado buscar soluções para o enfrentamento da relação entre crime organizado e questões ambientais, ressaltando que “quando chega o narcotráfico, o problema ganha outro contorno”.

Atualmente, há 17 facções criminosas ativas na região, incluindo grupos como CV, Primeiro Comando da Capital (PCC), Amigos do Estado (ADE), Bonde dos 40 (B40), Família Terror do Amapá (FTA), União Criminosa do Amapá (UCA), Comando Classe A (CCA), Bonde dos 13 (B13), Bonde dos 777 (dissidência do CV), Tropa do Castelar, Piratas do Solimões, Bonde do Maluco (BDM) e Guardiões do Estado (GDE). Além disso, organizações estrangeiras como o Tren de Aragua, da Venezuela, e o Estado Maior Central (EMC), da Colômbia, também atuam na região.

O CV e o PCC são considerados os grupos mais poderosos na Amazônia. O CV está presente em 286 cidades, dominando 202 delas e disputando o controle de outras 84. A facção mantém forte influência nas rotas fluviais, especialmente no eixo do rio Solimões, articulando-se com produção peruana e cartéis colombianos. O transporte de drogas ocorre principalmente pelos portos de Manaus, Santarém, Barcarena, Belém e Macapá, utilizando embarcações regionais, lanchas rápidas, submersíveis e “mulas” humanas. Além do tráfico, há disputas por territórios para o varejo de drogas e operações em garimpos ilegais.

O PCC atua em 90 cidades, sendo dominante em 31 e disputando outros 59. A facção busca ampliar sua influência internacionalmente, utilizando rotas aéreas clandestinas, pistas em garimpos ilegais e unidades de conservação, além de rotas oceânicas que conectam o Amapá e o Pará a mercados internacionais.

Os dados revelam que, em 2024, ocorreram 8.047 mortes violentas intencionais na região, com uma taxa de 27,3 assassinatos por 100 mil habitantes — 31% acima da média nacional. O estado mais violento foi o Amapá, com taxa de 45,1 mortes por 100 mil habitantes, seguido pelo Maranhão, que apresentou aumento de 11,5% nas taxas de homicídio entre 2023 e 2024. A disputa territorial pelo controle do tráfico de drogas entre grupos como Bonde dos 40, CV e PCC é intensa na região.

Entre as cidades com até 20 mil habitantes, Vila Bela da Santíssima Trindade, no Mato Grosso, destaca-se pelo aumento de homicídios, passando de 12 em 2022 para 42 em 2024, impulsionado pelo avanço do CV. A cidade possui localização estratégica para o tráfico internacional de drogas devido à proximidade com a Bolívia e abriga parte da Terra Indígena Sararé, que registrou crescimento expressivo do garimpo.

Segundo o estudo, “a situação em Sararé é muito impressionante. O Comando Vermelho chegou e passou a controlar toda a cadeia da extração de minério, principal do ouro. Não é mais só o garimpeiro, que já era um problema. É o garimpeiro que paga taxa ao Comando Vermelho para explorar o território. A lógica de controle territorial armado que vemos no Rio de Janeiro vai acontecendo nos territórios amazônicos”.

No Mato Grosso, Sorriso, conhecida como a “capital nacional do agronegócio”, registrou 72 homicídios violentos em 2024. A cidade lidera a produção mundial de soja e esteve entre as mais afetadas por taxas elevadas de estupros de vulneráveis. O estado enfrenta um aumento na violência, impulsionado pela sua extensa fronteira com a Bolívia, maior produtora de cocaína, tornando-se ponto estratégico para o narcotráfico. Desde 2023, há disputas acirradas entre o CV e a dissidência do CV, Tropa do Castelar, aliada ao PCC.

Facções em atividade

A região da Pan-Amazônia tornou-se corredor prioritário para o transporte de cocaína para mercados na Europa, América do Norte, África e Oceania. O levantamento aponta que 586 mulheres foram assassinadas na Amazônia Legal em 2024, com uma taxa de 4,1 por 100 mil mulheres, 21,8% superior à média nacional. Mato Grosso lidera as taxas de homicídio feminino na região, com 5,3 por 100 mil, enquanto o Maranhão foi o único estado a registrar aumento nesse tipo de violência, com alta de 19,8%.

Há também organizações estrangeiras, como a venezuelana Tren de Aragua e a colombianas Estado Maior Central (EMC).

O CV e o PCC são os grupos mais poderosos na região. O CV está presente em 286 cidades da Amazônia brasileira, sendo dominante em 202 municípios e disputando 84. A facção mantém maior controle das rotas fluviais, especialmente no eixo do rio Solimões, articulado com a produção peruana e cartéis colombianos.

O escoamento dos produtos ocorre pelos portos de Manaus, Santarém, Barcarena, Belém e Macapá. São usadas embarcações regionais, lanchas rápidas, submersíveis e “mulas” humanas. Além do tráfico, disputa territórios para o varejo da droga e opera em garimpos.

O PCC possui influência direta em 90 cidades, atuando de forma hegemônica em 31 e disputando 59 municípios. A facção foca na internacionalização dos mercados, intensificando o uso de rotas aéreas clandestinas, utilizando pistas em garimpos ilegais e unidades de conservação; e rota oceânica via Suriname, importante para o tráfico marítimo, ao conectar Amapá e Pará a mercados internacionais.

Assassinatos

O número de vítimas de mortes violentas intencionais nos 772 municípios da Amazônia Legal foi de 8.047 em 2024. A taxa de 27,3 assassinatos por 100 mil habitantes é 31% superior à média nacional. O estado mais violento da região — e do país — foi o Amapá, com taxa de 45,1 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes.

O Maranhão também se destacou negativamente por ter sido o único que apresentou aumento nas taxas de homicídio entre 2023 e 2024 (11,5%). O estado vive uma disputa territorial pelo controle do tráfico de drogas entre o Bonde dos 40, o Comando Vermelho e o PCC.

Entre as cidades mais violentas com até 20 mil habitantes, um dos destaques negativos é Vila Bela da Santíssima Trindade, no Mato Grosso. O número de assassinatos passou de 12 em 2022 para 42 em 2024, fenômeno relacionado ao avanço do CV. A cidade possui posição estratégica para o tráfico internacional de drogas pela proximidade com a Bolívia. E também abriga parte da Terra Indígena Sararé, que registrou crescimento exponencial do garimpo.

“A situação em Sararé é muito impressionante. O Comando Vermelho chegou e passou a controlar toda a cadeia da extração de minério, principal do ouro. Não é mais só o garimpeiro, que já era um problema. É o garimpeiro que paga taxa ao Comando Vermelho para explorar o território. A lógica de controle territorial armado que vemos no Rio de Janeiro vai acontecendo nos territórios amazônicos”, aponta Samira.

Entre as cidades mais violentas com mais de 100 mil habitantes está Sorriso, também no Mato Grosso, que registrou 72 homicídios violentos em 2024. Ela é conhecida como a “capital nacional do agronegócio”, por liderar a produção mundial de soja. Por dois anos consecutivos, esteve entre as cidades com maiores taxas de estupros de vulnerável no país.

Os números alertam que o problema da segurança pública tem se intensificado no Mato Grosso. O estado, que possui uma faixa de fronteira extensa com a Bolívia, uma das maiores produtoras mundiais de cocaína, se tornou estratégico para o narcotráfico. Desde 2023, há acirramento das disputas entre o Comando Vermelho e a Tropa do Castelar, dissidência do CV aliada ao PCC.

A Pan-Amazônia tornou-se corredor prioritário para abastecimento da cocaína em mercados da Europa, América do Norte, África, Oceania.

Assassinatos de mulheres

O documento indica que 586 mulheres foram assassinadas na Amazônia Legal em 2024, uma taxa de 4,1 por 100 mil mulheres — 21,8% superior à média nacional. Mato Grosso é o estado mais letal para mulheres (5,3 por 100 mil). E o Maranhão foi o único a registrar aumento nos homicídios femininos (19,8%).

“Olhando para essa mulher na Amazônia, que vive em territórios mais afastados dos centros urbanos e fica mais vulnerável, a gente precisa ser capaz de oferecer políticas de acolhimento, de empoderamento econômico e de enfrentamento à violência que dialoguem com a realidade dela”, defende Samira Bueno.

Samira defende que é necessário adaptar os modelos de enfrentamento à violência doméstica às realidades locais.

“O que a gente tem hoje no Brasil em modelos de tratamento de violência doméstica? Como você lida com violência doméstica em uma aldeia indígena? Como lida com violência doméstica em um município de fronteira, em que você não tem nenhum equipamento estatal especializado? Temos esse desafio de olhar para as especificidades”, complementa.

Fonte: Agência Brasil