
A combinação de produção agrícola com preservação ambiental, conhecida como agrofloresta, tem sido apontada por especialistas e ativistas ambientais como uma estratégia essencial para ajudar o planeta a se recuperar dos danos causados pela ação humana. Essa abordagem integra lavouras e florestas, como uma plantação de milho sob a sombra de uma castanheira-do-pará, promovendo um uso sustentável do solo e contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas.
O sistema agroflorestal visa transformar áreas de monocultivo em ecossistemas biodiversos, sem o uso de agrotóxicos ou produtos químicos, baseando-se na ecologia e no equilíbrio natural. A técnica combina plantas alimentares menores com árvores de raízes profundas, que oferecem sombra e água, favorecendo a saúde do solo e o bem-estar do ambiente.
Segundo Moisés Savian, engenheiro agrônomo e secretário do Ministério do Desenvolvimento Agrário, a agrofloresta atua em duas frentes: na mitigação e na adaptação às mudanças climáticas. “Quando eu estou diminuindo a emissão de carbono, estou mitigando. Se tenho um pasto ralinho e monto uma agrofloresta, o carbono que está na atmosfera é absorvido pelas plantas. Além disso, a presença de árvores com raízes profundas ajuda a captar água, beneficiando culturas como o milho diante de crises hídricas”, explica.
Savian destaca que a prática também contribui para a redução do dióxido de carbono na atmosfera, um gás que intensifica o efeito estufa e causa o aquecimento global. Quanto mais árvores vivas, maior a absorção de carbono, o que ajuda a equilibrar as temperaturas globais.
A agrofloresta, além de sua função ambiental, possui potencial de gerar renda e alimentos, sendo uma ferramenta poderosa contra a fome mundial. Durante a COP 30, realizada em Belém, o conceito ganhou destaque, reforçando uma prática ancestral que remonta às comunidades indígenas da Amazônia, que há mais de 12 mil anos utilizam o conhecimento tradicional para conviver harmoniosamente com a floresta, aproveitando cerca de 2,3 mil produtos da biodiversidade, incluindo 250 frutas alimentares e 1.450 plantas medicinais.
Mesmo sendo uma técnica milenar, a ideia de manter florestas em pé tem ganhado espaço no Brasil e no mundo, impulsionada por iniciativas de voluntariado e cooperação internacional. Em Botuporã, na Bahia, um projeto iniciado em 2021, em parceria com comunidades da França, busca valorizar agricultores e capacitar jovens sobre sustentabilidade. Hervé Tritschberger, prefeito de Eschbach, na França, explica que a troca de saberes visa promover a agroecologia e fortalecer a resiliência rural.
Agrofloresta
Yago Fagundes, estudante de Direito que participou de uma imersão na França, relata que a experiência foi de empoderamento rural e reforçou a importância da agroecologia na luta contra as mudanças climáticas. “Ela torna o solo um sumidouro de carbono, aumenta sua matéria orgânica e sua capacidade de reter água, protegendo comunidades de secas e eventos extremos”, afirma.
A troca de conhecimentos também ocorre de forma colaborativa, com voluntárias francesas passando oito meses em Botuporã para aprender técnicas de agricultura orgânica. O prefeito local destaca que, embora os desafios sejam diferentes, o objetivo comum é o desenvolvimento sustentável, e que a troca de experiências resulta na publicação de um livro gratuito, apresentado durante o Festival Nosso Futuro, em Salvador.
A prática de agroecologia também é difundida por indivíduos, como Wylliam Torres, jornalista e divulgador científico do Rio de Janeiro. Ele conta que a primeira referência à agroecologia veio do quintal de sua avó e bisavó, e que essa prática vai além da alimentação, envolvendo valores de responsabilidade ambiental, justiça social e conexão com as raízes culturais.
Torres acredita que cada ação individual que contrarie a lógica exploratória do agronegócio é um ato revolucionário. “Não há uma fórmula mágica para enfrentar a crise climática, mas toda atitude que busca fugir do lucro fácil é válida”, afirma.
Durante o Festival Nosso Futuro, o secretário Moisés Savian reforçou que o Brasil tem potencial para ampliar áreas de florestas produtivas, promovendo uma agricultura resiliente, de baixo carbono e biodiversa, especialmente em áreas degradadas e pastagens subutilizadas. Ele defende o incentivo financeiro internacional e o uso de créditos agrícolas para capacitar pequenos produtores, além de sensibilizar consumidores para a importância de produtos sustentáveis.
Savian também destaca a necessidade de integrar o mercado na promoção da economia sustentável, com iniciativas como a criação de prateleiras específicas para produtos da floresta, que garantam pagamento antecipado aos agricultores. Para ele, a manutenção de florestas em pé é uma estratégia fundamental para enfrentar a emergência climática, funcionando como uma dose contínua de remédio que, aos poucos, promove a restauração do equilíbrio ambiental.
Embora seja uma técnica milenar, a Floresta em Pé, mesmo a passos curtos, tem ganhado espaço entre o voluntariado no Brasil e no mundo.
Troca de Saberes

Em Botuporã, cidade baiana com cerca de 11 mil habitantes e localizada a cerca de 700 quilômetros de Salvador, um projeto de cooperação internacional tem incentivado moradores e jovens lideranças a entender a importância de unir o agro à ecologia.
O município faz parte de um consórcio, iniciado em 2021, com comunidades da França localizadas na região da Alsácia do Norte.
Segundo o idealizador do projeto, prefeito da cidade francesa de Eschbach – que tem menos de mil habitantes -, Hervé Tritschberger, a ideia surgiu após tratativas com a prefeitura botuporense para valorização de agricultores, produtores rurais e capacitação de jovens voluntários para troca de saberes sobre sustentabilidade.
Foi esta cooperação internacional que, há dois anos, levou o jovem estudante de Direito Yago Fagundes a uma imersão em agroecologia em terras francesas e, depois, à aplicação no Brasil.
“A experiência no Brasil tem sido de empoderamento rural. Nós recebemos, por exemplo, especialistas franceses que capacitaram nossos agricultores na produção do queijo Tomme de Vache (queijo de leite de vaca, em livre tradução), utilizando uma receita milenar de forma sustentável. Na França, eu vivenciei essa prática de perto, morei com agricultores com o selo ‘BIO’ e participei ativamente da construção de cercas vivas e projetos de plantio em escolas, elementos cruciais para a biodiversidade”, lembra Yago.
O estudante de 20 anos diz que apesar do desafio da língua, a vivência internacional o fez refletir sobre resiliência, inclusive, nos cuidados com o planeta.
“A agroecologia é fundamental para combater as mudanças climáticas. Ela usa a teia do voluntariado para criar uma solidariedade internacional que fortalece o planeta. Ela atua tornando o solo um sumidouro de carbono, aumentando sua matéria orgânica e sua capacidade de reter água, o que protege as comunidades de secas e eventos extremos”, explica.
Em contrapartida, duas voluntárias francesas passaram oito meses em Botuporã para aprender técnicas de agricultura orgânica.
“Brasil e França não têm os mesmos desafios, mas temos os mesmos objetivos, que é trabalhar para o desenvolvimento sustentável. O paradoxo dos países europeus é que eles não querem produzir alimentos com agrotóxicos, mas os consomem em importações. A partir dessa troca, é preciso repensar esta validação e capacitar agricultores para este modo mais saudável e sustentável”, diz o prefeito francês.
Como resultado da experiência, foi publicado um livro com a consolidação das principais trocas, disponibilizado gratuitamente e apresentado durante o Festival Nosso Futuro, realizado no início deste mês, em Salvador.
Consciência ambiental e planetária

A troca de saberes pode ir muito além das fronteiras geográficas, Brasil-França. Pode ser passada de pai para filho, entre amigos, de avó para neto, como foi o caso do jornalista socioambiental e divulgador científico Wylliam Torres.
Morador do Rio de Janeiro, ele conta que é adepto da plantação de verduras e leguminosas no próprio quintal de casa, como prática sustentável e saudável.
“A minha primeira referência em agroecologia foi o quintal da minha avó e bisavó paternas, quando eu ainda era bem novinho e, àquela época, não fazia ideia da preciosidade que estava ao meu alcance e muito menos conhecia o termo. Hoje, é claro, entendo que a agroecológica vai muito além de alimentos livres de agrotóxicos, mas ela também engloba os aspectos subjetivos da nossa vida e que o adubo das nossas raízes: o território, a tradição e a sabedoria ancestral”, relata.
Torres diz ainda que a postura ambiental reflete valores como consciência ambiental responsável e coletiva, além da justiça socioambiental.
“É nesse caminho que resgato parte da minha história, minha relação profunda com a natureza, meu senso de comunidade, minha necessidade de lutar pela vida na Terra e preservá-la”, conclui.
E mesmo de forma isolada, ele entende que não há fórmula mágica para enfrentar individualmente a crise climática.
“Quando se trata de combater os efeitos da crise climática que atravessamos, não existe uma balança que diga qual é a ação mais importante nesse processo, afinal, cada atitude que visa contrapor a lógica exploratória do agronegócio, é um ato revolucionário. Portanto, toda e qualquer ação individual que busque fugir da lógica do lucro, é sempre válida”, finaliza.
Exemplos do Brasil
Ainda acompanhando de perto o desfecho da COP 30, o Secretário de Governança Fundiária e Desenvolvimento Territorial e Socioambiental do Ministério de Desenvolvimento Agrário, Moisés Savian, adianta que o encontro tem sido uma grande oportunidade de mostrar para o mundo o que o Brasil tem feito.
“A COP foi muito positiva para o Brasil, apresentamos nossa agenda de florestas produtivas para o mundo. Além de manter, vamos ampliar a área de cobertura florestal com geração de renda e alimentos”, diz.
Para ele, é essencial pensar em um sistema de produção de alimentos resiliente às intempéries, como secas e chuvas extremas.
“Eu acho que o futuro do Brasil é avançar na agricultura resiliente, de baixo carbono, biodiversa, agricultura agroecológica nas áreas degradadas. Nós temos muita área degradada no Brasil. Nós temos muita pastagem subutilizada. São áreas em que não estão produzindo alimentos e não estão servindo para a questão ecológica também. A propósito, o governo tem trazido a ideia de florestas produtivas de agroflorestas – avançar com a produção biodiversa, de agroflorestas nessas áreas que já foram desmatadas, numa ótica de restauração, mas uma restauração produtiva.”, diz.
Savian defende ainda o incentivo financeiro de países mais desenvolvidos e, internamente, o crédito agrícola para capacitar pequenos agricultores e produtores rurais a aprenderem e utilizarem a técnica de produção de alimentos sustentável. Mas, ele chama a atenção, para um ponto ainda desafiador: ganhar o bolso e coração dos consumidores.
“Porque nós temos hoje, muita gente vive contando o dinheiro para passar o mês. Algumas outras pessoas podem pagar um pouco mais por um produto que é diferenciado. Nós nos reunimos com uma rede de supermercados internacional. E eles estão criando uma prateleira chamada de ‘produtos da floresta’. E aí, qual era o desafio que eles tinham? Muitas vezes, no mercado do varejo, ele vai precisar de 30 dias, 60 dias para pagar. O agricultor, não pode esperar tanto. E essa rede está fazendo pagamento antecipado”, diz Savian.
Segundo ele, são iniciativas como essa que podem dar um efeito mais importante – além da mobilização de governo e produtor, que é incluir o mercado consumidor como uma mola propulsora da economia sustentável, da produção decorrente do agroflorestamento.
Para Savian, a Floresta em Pé pode fazer parte da solução para a situação de emergência climática que o planeta vive.
“Acredito que é esse ‘remedinho’ que pode junto com a restauração florestal, com o combate ao desmatamento, com uma pecuária mais intensa, no sentido de ocupar melhor o espaço que já existe, sem derrubar mais árvores. Não é um remédio que você vai tomar na veia e vai resolver num dia pro outro, mas é uma dose meio homeopática – tomada em pequenas quantidades, mas de forma contínua”, conclui.
Fonte: Agência Brasil.








