
Foto: jwigley/Pixabay
Especialistas, ambientalistas e organizações da sociedade civil alertam para os riscos associados à técnica de fraturamento hidráulico, conhecida como fracking, utilizada na exploração de gás natural não convencional. Essas preocupações foram apresentadas durante audiência pública na quinta-feira (11), no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.
O fraturamento hidráulico consiste na injeção de água, areia e produtos químicos sob alta pressão em rochas do tipo folhelho ou xisto, que possuem baixa permeabilidade. O objetivo é criar fissuras na rocha, permitindo que o gás preso nessas formações migre para o tubo de exploração e seja extraído na superfície. Trata-se de uma técnica mais complexa do que a exploração convencional de gás natural.
Desde 2013, há tentativas de estimular o uso do fracking no Brasil. Naquele ano, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou uma licitação para pesquisa e exploração por meio dessa técnica, concedendo blocos no Paraná e em São Paulo. No entanto, ações civis públicas movidas pelo Ministério Público Federal tornaram nulas essas concessões na prática.
A audiência promovida pelo STJ buscou reunir informações que subsidiarão o julgamento do tema. O Instituto Arayara, organização ambiental sem fins lucrativos, aponta que o fracking demanda um consumo hídrico extremo, variando de 5,7 a 61 milhões de litros de água por poço, além de envolver substâncias tóxicas e cancerígenas capazes de contaminar aquíferos e fontes de água superficiais.
Outros impactos incluem a poluição do ar por liberação de metano e compostos orgânicos voláteis, além de tremores de terra provocados pela injeção de fluidos em profundidades elevadas. Segundo Juliano Bueno de Araujo, diretor técnico do Instituto Arayara e da Coalizão Não Fracking Brasil, “pedimos que a Corte faça uma análise primorosa, baseada na ciência e no cuidado com a vida das pessoas. Para que possamos evitar terremotos espalhados pelo Brasil, piscinas com produtos químicos e radioativos espalhados por centenas de cidades. Sabemos que os municípios não têm capacidade de fiscalização sobre esse tipo de atividade”.
Dados do instituto indicam que mais de 524 cidades em 17 estados já aprovaram leis municipais que restringem o uso de água de superfície e a emissão de alvarás para atividades relacionadas ao fracking. A bióloga Moara Menta Giasson, do Ministério do Meio Ambiente, reforça que não há padrões de segurança ambiental estabelecidos para essa técnica. “O ministério tem reiteradamente apontado os altos riscos e impactos negativos do fracking, destacando a necessidade de uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), que ainda não foi implantada”, afirmou.
Ela destacou ainda que a literatura científica evidencia altas emissões de metano, um dos gases mais prejudiciais ao efeito estufa, tornando a exploração não convencional incompatível com as metas de redução de emissões do país. “O consumo de água é elevado e há riscos de contaminação dos aquíferos nacionais”, ressaltou. Segundo a Lei 9.433/1997, a água é um bem público de uso prioritário para consumo humano e animal, e a mistura de fluidos tóxicos no fracking a torna imprópria para esses fins.
A Fiocruz apresentou estudos que apontam impactos à saúde humana. Bianca Dieile da Silva, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública, destacou que, em regiões onde o fracking foi adotado nos Estados Unidos, houve aumento de 25% na internação de crianças com asma. Ela também citou evidências de câncer, especialmente do trato urinário, além de impactos em disruptores endócrinos, nascimentos prematuros, problemas congênitos e até mortes.

Segurança ambiental
Representantes do setor de petróleo e gás defendem a técnica, alegando que ela pode ser aplicada com segurança e gerar benefícios econômicos. O diretor-geral da ANP, Artur Watt Neto, afirma que o órgão estabeleceu padrões rigorosos para o fracking, incluindo requisitos adicionais para a perfuração, e que a atividade só é autorizada quando há uma camada de isolamento entre a área de exploração e os recursos hídricos.
Ele também ressaltou que a exploração de gás segue licenças e exigências de órgãos ambientais, e que a busca por novas fontes energéticas é fundamental para o desenvolvimento nacional. “Precisamos nos preocupar com as emissões, mas a demanda por combustíveis é uma questão de mercado. Quando não produzimos aqui, outros países farão, e as emissões continuarão a ocorrer. A atmosfera é uma só”, afirmou.
Adriano Pires Rodrigues, da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás, destacou a importância do fracking para atender às demandas energéticas atuais, especialmente diante do crescimento de consumo de energia por data centers e tecnologias como a inteligência artificial. Ele defende que a exploração é essencial para a transição energética.
Por sua vez, Juliano Bueno de Araujo rebate essa argumentação, ressaltando que o gás natural representa apenas 9,6% da matriz energética brasileira e 6,3% da matriz elétrica em 2024. Parte significativa da produção é reinjetada por falta de demanda: em 2024, 54,3% do gás produzido foi devolvido ao subsolo, e em 2025, de janeiro a outubro, esse percentual já atingiu 54,4%.
Nos Estados Unidos, a exploração de gás de xisto começou a ganhar força na década de 2000, com a implementação da Iniciativa Global de Gás de Xisto, e o relatório da EIA de 2013 aponta reservas estimadas em 7.299 trilhões de pés cúbicos em 41 países, com destaque para a Argentina, que possui a segunda maior reserva, e o Brasil, que ocupa a décima posição.
Na Argentina, a exploração na região de Vaca Muerta, iniciada em 2013, contou com apoio de petroleiras e resultou em um aumento expressivo de acidentes ambientais. Dados do governo argentino indicam que, de 2015 a 2021, os acidentes saltaram de 863 para 2.049. Entre maio de 2021 e abril de 2022, foram gerados cerca de 389 mil litros de líquidos contaminados por dia na região de Vaca Muerta.
Marcella Torres, advogada da Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente, destacou que os riscos do fracking não são apenas hipotéticos. Segundo ela, há evidências empíricas de contaminação da água, do ar e do solo, além de impactos na saúde, uso intensivo de água e sismicidade, sendo esses danos considerados irreversíveis.
“O que vemos nos territórios quando conversamos com as pessoas e quando analisamos os dados, é que há um impacto maior no sistema respiratório. Em estados que adotaram o fracking nos Estados Unidos, em comparação com os que não adotaram, temos aumento de 25% de internação de crianças com asma”, diz a pesquisadora.
“Temos comprovação de câncer, principalmente do trato urinário, impactos nos disruptores endócrinos e problemas com recém-nascidos. Temos muitos desfechos desfavoráveis, nascimentos de prematuros, problemas congênitos e até morte”, acrescenta.
Outro lado
Representantes do setor de petróleo e gás defendem que a técnica pode ser aplicada com segurança e gerar benefícios econômicos. O diretor-geral da ANP, Artur Watt Neto, diz que o órgão estabeleceu padrões seguros para a execução do fracking.
“As nossas normas estão entre as mais rigorosas do mundo. Criamos requisitos adicionais para essa atividade da perfuração. Só autorizamos a técnica quando há camada considerável de isolamento entre a terra mais porosa e os nossos recursos hídricos no local onde seria feita a exploração”, diz o diretor.
Artur Watt Neto defende que a exploração de gás segue licenças e exigências dos órgãos de controle ambiental. E afirma que obter novas fontes energéticas é uma questão de desenvolvimento nacional e atende às necessidades do mercado.
“Precisamos nos preocupar com a questão das emissões. Mas devemos considerar a demanda de combustíveis, e não a oferta e a produção. Quando a gente não faz a produção, o mercado que é líquido e global vai fazer essa produção em outros lugares. As emissões vão continuar ocorrendo. A atmosfera é uma só”, diz Neto.
Adriano Pires Rodrigues, consultor e cofundador da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás (ABPIP), defende que a exploração por meio do fracking é essencial para lidar com as novas demandas tecnológicas.
“O que a gente está vendo hoje é um consumo gigantesco de energia por conta de data centers e da inteligência artificial, que exigem repensar o que é transição energética. Nesse contexto de quarta Revolução Industrial, precisamos entender que não dá para abrir mão de uma fonte de energia”, diz Rodrigues.
O diretor do Instituto Arayara rebate os argumentos sob demanda energética nacional.
“O gás natural representa 9,6% da matriz energética brasileira e 6,3% da matriz elétrica em 2024. Ouvimos que existe uma necessidade de produzir mais gás. Mas boa parte do que é produzido não é utilizado. Em 2024, 54,3% da produção de gás do Brasil foi reinjetada por ausência de demanda. Em 2025, de janeiro a outubro, 54,4% já foi reinjetada”, diz Juliano Bueno de Araujo.
Cenário internacional
Os Estados Unidos lançaram, em 2010, a Iniciativa Global de Gás de Xisto. Em 2011, a Administração de Informação de Energia dos Estados Unidos (EIA, na sigla em inglês) publicou um relatório, atualizado em 2013, sobre as principais reservas globais.
Foram identificados 41 países e um total de 7.299 trilhões de pés cúbicos de reservas de gás de xisto recuperáveis. Depois dos EUA, o destaque é a Argentina, com a segunda maior reserva do gás. O Brasil tem a décima maior reserva.
No Estados Unidos, a técnica só começou a ser empregada com intensidade a partir dos anos 2000. Na Argentina, o governo contou com o apoio de petroleiras e iniciou a exploração por meio do fracking em 2013 na Patagônia. A principal região é Vaca Muerta, na Bacia Sedimentar de Neuquén.
Na audiência do STJ, a advogada Marcella Torres, da Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente (AIDA), trouxe dados de problemas em Neuquén, tendo como fonte o próprio governo argentino. Segundo ela, os acidentes ambientais na região saltaram de 863 em 2015 para 2.049 seis anos depois. Entre maio de 2021 e abril de 2022, foram gerados cerca de 389 mil litros de líquido contaminados por dia em Vaca Muerta.
“Os riscos do fracking não são apenas hipotéticos. Eles se encontram amplamente documentados em diversas regiões, com evidência empíricas da contaminação da água, do ar, do solo, impactos na saúde, uso intensivo de água e sismicidade. Na experiência do nosso trabalho, os riscos são altíssimos e, quando há danos, eles são irreversíveis”, disse Torres.
Fonte: Agência Brasil








