Uf identifica novas áreas de conflito na mineração em relatório revelador

Levantamento divulgado este mês foi feito com base em dados de 2024

Brumadinho (MG), 23/01/2024 -Córrego do Feijão, bairro rural de Brumadinho.  Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Brumadinho (MG), 23/01/2024 -Córrego do Feijão, bairro rural de Brumadinho. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O Relatório de Conflitos de Mineração 2024, divulgado anualmente pela Universidade Federal Fluminense (UFF), aponta que mais de um milhão de pessoas foram afetadas por conflitos relacionados à mineração e à água no Brasil no ano passado. A média diária de conflitos registrada foi de 2,4 ocorrências, totalizando 975 incidentes em 736 localidades, excluindo o Distrito Federal.

De acordo com o professor de Geografia da UFF e coordenador da pesquisa, Luiz Jardim Wanderley, embora o número de pessoas atingidas tenha sido quase pela metade em relação ao relatório de 2023, houve uma expansão espacial dos conflitos, com 329 novas localidades registradas. “Tivemos mais de 300 conflitos em locais que ainda não apresentavam esse tipo de problema. Isso mostra que, dependendo da visibilidade, conseguimos ou não enxergar todos os conflitos existentes”, avaliou.

Dos 26 estados com registros de conflito, Minas Gerais liderou com 35,2% das ocorrências, seguido pelo Pará com 17,8%, além de Bahia e Alagoas, ambos com 6,9%. Minas também concentrou a maior parte das pessoas atingidas, com 77%, seguida pelo Pará com 8% e Alagoas com 6,5%. No ano, foram mapeadas 168 reações diretas às violações, com destaque para Minas Gerais, com 73 casos, Pará (16) e Alagoas (14). Maceió registrou 23 ocorrências e Belo Horizonte, 12.

No que diz respeito à violência extrema, o levantamento aponta 32 mortes de trabalhadores e 19 ameaças de morte. Além disso, foram registradas 101 invasões de terra, 58 intimidações a trabalhadores, 14 expulsões, 13 casos de assédio, nove de violência armada, além de ocorrências menores de agressões físicas, sequestros e tentativas de homicídio.

Reação

As empresas que mais violam os direitos nos conflitos de mineração são a Vale S.A. e sua subsidiária Samarco-Vale-BHP, ambas com 96 casos registrados. Seguem-se a Braskem, com 43 ocorrências, Hydro (36), Belo Sun Mining (20), Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (17), Anglo American e Companhia Siderúrgica Nacional, cada uma com 16 casos, além de Mineração Vale Verde e SIGMA, com 12 casos cada.

A Vale declarou que mantém um compromisso de gestão de riscos e impactos de suas operações, investindo em processos que priorizam a segurança e o relacionamento respeitoso com as comunidades. A empresa afirma que possui canais de diálogo abertos, incluindo telefone, WhatsApp e site, para receber reclamações, demandas e denúncias, buscando aprimorar continuamente sua atuação e fortalecer a confiança nas comunidades onde atua. No âmbito do acordo de reparação pelo desastre de Brumadinho, a Vale informa que já executou mais de 81% dos R$ 37,7 bilhões previstos e que, desde 2019, cerca de 17,5 mil pessoas receberam indenizações que totalizam R$ 4 bilhões. A empresa também realiza reuniões periódicas com comunidades afetadas, reforçando seu compromisso de diálogo e reparação.

Mineradoras

A Samarco, por sua vez, assumiu em novembro de 2024 a responsabilidade pela reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, destacando esforços para garantir uma operação mais segura, sem barragens de rejeitos, e para promover ações de reparação e diálogo com as comunidades. Desde 2015, a companhia destinou R$ 70,6 bilhões para ações de reparação e compensação, incluindo pagamentos de R$ 33,8 bilhões em mais de 777 mil acordos de indenização, além de obras de reconstrução e ações ambientais. A Samarco reafirma seu compromisso com a segurança, a justiça e a efetividade na reparação dos danos, mantendo canais de comunicação abertos com as comunidades.

Posicionamento

Luiz Jardim criticou a contradição entre as declarações de responsabilidade social e ambiental feitas pelas empresas e o alto número de conflitos gerados. Segundo ele, a Vale e a Samarco são responsáveis por alguns dos maiores desastres ambientais do país, com conflitos de longa duração ao longo do Rio Doce e uma presença extensa em Minas Gerais, Pará e outras regiões, devido à sua capilaridade territorial.

A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) informou que não teve acesso prévio ao relatório nem foi contatada pelos pesquisadores, justificando que suas operações abrangem diversos setores, como siderurgia, mineração, logística, cimento e energia. A empresa afirmou que atua de acordo com a legislação vigente e mantém canais de diálogo com comunidades e autoridades, investindo na melhoria contínua de suas práticas ambientais e sociais.

A Vale explicou que “adicionalmente são disponibilizados canais de comunicação, como telefone, WhatsApp e site, garantindo que as reclamações, demandas e denúncias de comunidades e trabalhadores sejam recebidas, tratadas e respondidas, contribuindo permanentemente para o aperfeiçoamento da atuação da empresa”.

Brumadinho

No âmbito da reparação de Brumadinho, a Vale esclarece que “já executou mais de 81% dos R$ 37,7 bilhões previstos no Acordo de Reparação Integral firmado em 2021. Desde 2019, cerca de 17,5 mil pessoas fecharam acordos de indenização individual, totalizando R$ 4 bilhões. Além das indenizações, a empresa prioriza a escuta ativa das comunidades atingidas: entre janeiro de 2023 e agosto de 2024, foram realizadas 681 reuniões em 214 comunidades da Bacia do Paraopeba e Brumadinho, envolvendo aproximadamente 6.700 mil participantes”.   A empresa reitera o respeito a todas as comunidades e trabalhadores presentes nos territórios onde atua e mantêm-se permanentemente aberta ao diálogo.

A Samarco informou, em nota, que “assumiu, em novembro de 2024, a responsabilidade direta pela reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão e vem se dedicando de forma firme e transparente à prestação de respostas à sociedade e às comunidades atingidas. Esse compromisso se traduz tanto na adoção de uma operação mais segura, sem barragens de rejeitos e com monitoramento contínuo, quanto em avanços concretos e verificáveis no processo de reparação”.

Concentração 3. Usina de Concentração da mineradora Samarco.

A mineradora diz ainda que tem mantido “diálogo aberto e constante com as comunidades, promovendo escuta ativa e implementando ações efetivas, reafirmando nosso empenho em garantir justiça, segurança e efetividade na reparação dos danos”.

Ela informa que, desde 2015, “foram destinados R$ 70,6 bilhões para as ações de reparação e compensação, incluindo R$ 33,8 bilhões pagos em 777,4 mil acordos de indenização individual, a conclusão das obras dos novos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu, iniciadas antes do Novo Acordo do Rio Doce, e a continuidade de uma série de ações de preservação, restauração e compensação ambientais. Além disso, a empresa adota o Padrão Global da Indústria sobre Gestão de Rejeitos (GISTM), e todas as nossas estruturas geotécnicas estão estáveis, conforme auditorias e certificações legais”.

Na avaliação de Luiz Jardim, coordenador da pesquisa, “realmente é surpreendente como essas empresas dizem que são socialmente e ambientalmente preocupadas, mas são elas [Vale e Samarco] que têm o maior número de conflitos. Isso mostra primeiro, uma contradição das empresas. Apesar de dizerem que cumprem políticas sociais e ambientais rigorosas, produzem uma enormidade de conflitos e impacto nas comunidades”.

Jardim disse também que “essas duas mineradoras são causadoras dos maiores desastres ambientais da história desse país. A gente tem a violação dos direitos e conflitos ligados a Samarco ao longo do Rio Doce inteiro, com mais de dez anos de conflitos, em diferentes localidades em diferentes municípios e comunidades”, acrescentou. O coordenador da pesquisa disse que a Vale, além dos conflitos provocados na região de Minas Gerais, no Rio Paraopeba, tem também inúmeras plantas no Pará, na ferrovia Carajás, nas áreas de porto. “Isso se mostra muito presente porque elas têm uma capilaridade muito grande no território”, concluiu.

CSN

A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) Mineração também se manifestou por meio de nota, afirmando que a companhia não teve acesso prévio ao relatório nem foi contatada pelos pesquisadores, não podendo, assim, se manifestar.

“Contudo, cabe observar que a Companhia Siderúrgica Nacional não atua apenas no segmento de mineração, mas sim nos setores de siderurgia, mineração, logística, cimentos e energia. Portanto, compilar informações de diferentes segmentos em um único estudo supostamente direcionado ao setor de mineração, pode, indubitavelmente, resultar em interpretações imprecisas e distorcer os seus resultados”.

O texto diz ainda que “nesse contexto, torna-se ainda mais relevante reafirmar que a CSN conduz suas operações em estrita observância à legislação ambiental, trabalhista e minerária aplicável, adotando práticas responsáveis de gestão, transparência e governança socioambiental”.

A companhia mantém canais institucionais formais de diálogo com comunidades e autoridades públicas, promove investimentos contínuos em aprimoramentos operacionais e ambientais e atua de forma responsável e colaborativa na construção de soluções técnicas e juridicamente seguras para os desafios inerentes às suas atividades industriais e minerais.

A Agência Brasil tentou, mas não conseguiu contato com os demais citados na reportagem, mas está aberta a divulgar as manifestações dessas empresas nesse espaço.

Fonte: Agência Brasil