
O mercado brasileiro de trigo atravessa um momento de transição importante, marcado pelo avanço irregular da colheita nacional e por sinais contrastantes entre as regiões produtoras. Neste início do mês de novembro, enquanto algumas áreas do país colhem resultados considerados excepcionais, outras enfrentam limitações climáticas e econômicas que restringem o desempenho produtivo e reforçam a dependência estrutural de importações.
Essa combinação de fatores molda o cenário atual da triticultura brasileira, que se desenvolve entre a eficiência crescente em polos emergentes e os desafios persistentes no Sul, onde se concentra a maior parte da oferta.
Nos estados do Centro-Oeste e Sudeste, o ciclo 2025 chega ao fim de forma amplamente positiva. Minas Gerais, Goiás (DF) e Mato Grosso do Sul encerraram a colheita com resultados expressivos, mesmo após uma retração de cerca de 20% na área cultivada.
A produção conjunta avançou 19%, passando de 660 mil para 785 mil toneladas — um desempenho que se explica por ganhos de produtividade e melhor manejo agronômico. Em Minas Gerais, o avanço foi particularmente notável: após um ciclo frustrante em 2024/25, o estado obteve um desempenho próximo ao ideal. O plantio de sequeiro sofreu com a escassez hídrica no início do ciclo, mas, nas áreas irrigadas ou sob boa umidade, o desenvolvimento das lavouras foi exemplar, garantindo um trigo de alta qualidade e excelente rendimento.
Essa recuperação, além de consolidar a autossuficiência parcial do estado, tem atraído compradores de outras regiões, especialmente moinhos que operam com farinhas de perfil mais claro e exigente em termos de qualidade tecnológica.
São Paulo, por sua vez, caminha para concluir a colheita com resultados acima das expectativas iniciais. A produção deve se aproximar de 400 mil toneladas, um volume ainda insuficiente diante de uma demanda interna que supera 1,6 milhão de toneladas, mas suficiente para reduzir parte da dependência de outras praças e até mesmo gerar excedentes direcionados a moageiros do Paraná e de Goiás.
Já na Bahia, a colheita está praticamente encerrada, com 90% das lavouras colhidas e uma produção estimada em 30 mil toneladas. Mesmo com a forte redução de área, o estado demonstrou o potencial técnico do cultivo irrigado, que apresenta produtividade elevada e qualidade regular, reforçando o papel da agricultura de precisão no avanço do trigo em regiões de clima adverso.
Se o desempenho do Centro-Sul inspira otimismo, a região Sul do país apresenta um quadro mais complexo e heterogêneo. Santa Catarina, o estado com maior atraso, colheu apenas 12% da área total até o momento, concentrando as operações no oeste. A estimativa de produção é de 380 mil toneladas, cerca de 5% inferior à do ciclo anterior. Como a moagem estadual gira em torno de 550 mil toneladas, as indústrias catarinenses continuam fortemente dependentes do trigo gaúcho e das importações, sobretudo da Argentina, cuja farinha mantém boa competitividade e qualidade reconhecida.
Redução da área cultivada
O Paraná, que tradicionalmente figura entre os líderes nacionais, vive uma fase de ajuste e retração. Após três safras consecutivas marcadas por perdas severas devido a eventos climáticos e pela falta de estímulo econômico, o estado reduziu a área cultivada em 25,7%.
Muitos produtores paranaenses, pressionados por custos elevados e margens apertadas, optaram por migrar para culturas mais rentáveis, como o milho safrinha e o sorgo, ou simplesmente deixaram áreas em pousio. Apesar disso, o ciclo 2025 surpreendeu positivamente: com cerca de 85% da área colhida, o trigo do estado apresentou boa produtividade e qualidade, mesmo diante de episódios de geadas e granizo.
A melhora, contudo, não é suficiente para reverter o déficit estrutural. A produção estimada, de 2,65 milhões de toneladas, é 1,4 milhão inferior ao consumo estadual, que inclui moagem, ração e semente, consolidando o Paraná como o estado mais dependente de trigo de fora.
Potencial comprometido
Entretanto, o contraste mais marcante encontra-se no Rio Grande do Sul. O estado reafirma sua posição de principal polo tritícola do país, mas enfrenta uma safra irregular em produtividade e marcada por desafios de manejo fitossanitário. As primeiras lavouras colhidas na região de Santa Rosa apresentaram excelente desempenho, com grãos de alta qualidade e produtividade acima da média.
Contudo, as chuvas recorrentes em outubro e novembro afetaram áreas onde o controle de doenças como a giberela foi realizado de forma tardia, comprometendo parte do potencial produtivo. O resultado é uma produtividade média ligeiramente inferior a 3.000 kg/ha, abaixo da projeção inicial de 3.500 kg/ha, ainda que a qualidade geral do grão seja considerada superior à do ciclo anterior.
As análises laboratoriais realizadas até o momento mostram teores de micotoxina DON entre 1.500 e 4.000, Falling Number acima de 250 e, em alguns casos, chegando a 380, além de força de glúten (W) variando entre 170 e 250, glúten entre 22% e 26%, proteína média de 12%, PH mínimo de 77 e cor L em torno de 92,0 — padrões considerados adequados para o mercado de moagem.
Com cerca de 38% da área colhida e previsão de avanço rápido nos próximos dias, a produção total do Rio Grande do Sul deve alcançar 3,2 milhões de toneladas. Esse volume garante um superávit de aproximadamente 1,4 milhão de toneladas, reforçando o protagonismo gaúcho no abastecimento nacional. Contudo, a comercialização segue concentrada no mercado externo: estima-se que 570 mil toneladas já estejam comprometidas, sendo 480 mil destinadas à exportação.
Preços pagos ao produtor
Esse direcionamento, superior a 80% do volume negociado, pode limitar a oferta doméstica e pressionar os compradores locais a adotarem posturas mais firmes nas próximas semanas. Do ponto de vista de preços, o mercado gaúcho reflete a típica pressão de colheita. As cooperativas reduziram os valores de referência para R$ 57,00 a R$ 58,00 por saca, equivalentes a R$ 950,00 a R$ 960,00 por tonelada.
A paridade de importação do trigo argentino, base Carazinho, situa-se em torno de R$ 975,00 por tonelada, o que delimita o piso técnico para o mercado interno. Nas negociações regionais, as indicações variam de R$ 1.000,00/t na região das Missões a R$ 1.050,00/t no Nordeste do estado, enquanto os preços CIF moinhos oscilam entre R$ 1.080,00 e R$ 1.150,00/t, dependendo da localidade e da qualidade do produto.
No Paraná, as referências chegam a R$ 1.180,00 CIF Curitiba e R$ 1.100,00 CIF Cascavel, valores que só se sustentam para agentes com frota própria e carga de retorno. No mercado externo, as operações seguem lentas, com trigo padrão moagem entre R$ 1.165,00 e R$ 1.180,00/t, e produto para ração em torno de R$ 1.110,00/t.
Com base nas estimativas mais recentes, a safra nacional de trigo deve alcançar aproximadamente 7,45 milhões de toneladas. Apesar de o resultado representar estabilidade frente ao ciclo anterior, o volume ainda é insuficiente para atender integralmente à demanda de moagem, ao consumo destinado à alimentação animal e às exportações contratadas.
Esse desequilíbrio reforça a perspectiva de que o Brasil deverá registrar uma necessidade recorde de importações nos próximos meses, sobretudo provenientes da Argentina e dos Estados Unidos, para recompor os estoques e equilibrar o abastecimento interno.
O panorama atual da triticultura brasileira revela, assim, um duplo movimento. De um lado, há regiões que consolidam avanços significativos em produtividade, qualidade e eficiência, impulsionadas por tecnologia e gestão. De outro, persistem fragilidades estruturais — como a concentração da produção no Sul, a vulnerabilidade ao clima e a instabilidade de preços —que limitam o alcance da autossuficiência nacional.
À medida que o país se aproxima do fechamento da safra 2025, a capacidade de articulação entre produtores, moinhos e exportadores será determinante para definir o rumo do mercado interno. O equilíbrio entre a competitividade externa e a segurança de abastecimento interno, mais uma vez, será o principal desafio para o trigo brasileiro nos próximos meses.

*Élcio Bento é especialista em trigo graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Faz parte da divisão de especialistas de Safras & Mercado há mais de 20 anos
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Fonte: Canal Rural.








