Pecuaria

Brasil exporta de 80 a 150 cavalos lusitanos vivos por ano

Estados Unidos é o maior mercado da raça que se originou das touradas A cada ano de 80 a 150 cavalos vivos lusitanos puro sangue são exportados por criadores brasileiros para os Estados Unidos, principalmente, e também para o México e Colômbia, segundo Ismael Gonçalves da Silva, presidente da Associação Brasileira de Criadores de Cavalo Puro Sangue …

Estados Unidos é o maior mercado da raça que se originou das touradas

Cada animal custa pelo menos US$ 20 mil — Foto: Divulgação

A cada ano de 80 a 150 cavalos vivos lusitanos puro sangue são exportados por criadores brasileiros para os Estados Unidos, principalmente, e também para o México e Colômbia, segundo Ismael Gonçalves da Silva, presidente da Associação Brasileira de Criadores de Cavalo Puro Sangue Lusitano (ABPSL). Cada animal custa pelo menos US$ 20 mil, mais o frete de US$ 12 mil a US$ 15 mil, pago pelo comprador. O país exporta também material genético.

A raça tem de 12 mil a 14 mil animais registrados no país, sendo uma criação de nicho, já que o total de cavalos com registro é de cerca de 2 milhões. Outros 3 milhões de equinos não têm registro.

Um estudo do professor Roberto Arruda Souza Lima, da Esalq-USP, aponta que o setor equestre movimenta mais de R$ 35 bilhões no país, emprega mais de 3 milhões de pessoas e a receita de exportações de cavalos vivos de raça pura subiu de US$ 4.608.118 para US$ 7.435.080 em 2023.

O lusitano, um cavalo bonito, dócil e inteligente, se originou dos cavalos ibéricos de touradas da Europa e pode ser visto na abertura de rodeios, em filmes como “Zorro” e “Gladiador” ou nas disputas olímpicas e pan-americanas da modalidade adestramento (também chamado de dressage).

Silva, empresário do setor de segurança e criador há 30 anos de lusitanos na Coudelaria Luso-Brasileira, que ocupa 312 hectares em Avaré (SP), diz que o Brasil é o maior exportador da raça e, na criação, se equipara com o berço original, Portugal. O país perdeu mercado mundial, no entanto, porque está vetada há 21 anos a exportação de equinos brasileiros para o mercado europeu.

Antes do veto, o país exportava muitos garanhões para reprodução em Portugal e para treinamentos e provas na Alemanha e França. Atualmente, para um cavalo brasileiro chegar à Europa tem que fazer triangulação por outros países. A justificativa para a barreira é a presença da doença de Mormo, transmitida por carrapatos.

A doença foi tema de estudo recente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva de Equideocultura, presidida por Nuno Eusébio, CEO do maior haras de lusitanos do país, o Sasa JE, em Martinópolis. O texto apresentado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) traz dados sobre a redução da doença e dá subsídios para a pasta negociar a volta das exportações para a Europa.

“Acho que até o final do ano, teremos a liberação para embarcar a primeira leva, provavelmente para a Bélgica”, diz o presidente da associação, fundada há 49 anos que tem atualmente 80 criadores e 260 associados (inclui atletas de adestramento).

Intermediários

Os cavalos exportados seguem em contêineres com baias em avião com manejo sanitário. Antes de embarcar para Miami têm que passar por teste que comprove estar livre de piroplasmose, outra doença transmitida pelo carrapato. Nos EUA, ficam em quarentena por sete dias e a maioria segue para um centro hípico mantido na Flórida por portugueses naturalizados, que são intermediários e vendem o cavalo ao cliente final com pacote completo de aulas e assessoria pós-venda.

Vagner Aguilar, dono da Coudelaria Aguilar, em Sarapuí (SP), tem foco no mercado interno, mas embarca pelo menos cinco cavalos por ano para os Estados Unidos e diz que o consumidor final lá são os “elderlescentes”, pessoas com mais de 40 anos que querem praticar o esporte como adolescentes sem correr riscos. Daí a opção pelo manso lusitano.

Cavalos brasileiros tendem a ser mais baratos — Foto: Divulgação

Já os animais exportados para o México são direcionados para treinamento de atletas do adestramento.

A opção dos americanos pelo cavalo brasileiro, segundo os criadores, se deve ao custo de produção bem mais baixo no Brasil. “Um cavalo criado lá custa de US$ 120 mil a US$ 300 mil. Aqui eles compram por US$ 20 mil, revendem até pelo triplo e ainda fica mais barato”, diz Aguilar.

O presidente da ABPSL afirma que pelo menos metade dos criadores brasileiros são médicos e profissionais liberais e a maioria inicia a criação por hobby ou por ego.

“Quem investe seriamente na criação desta raça não vai ter prejuízo, mas vai ter que fazer um investimento pesado nas éguas porque há animais de R$ 10 mil a R$ 1 milhão. Um cavalo de GP (Grande Prêmio) no Brasil não custa menos de R$ 150 mil. Já na Europa, valem de 400 mil euros até 2 milhões de euros.”

Segundo o dirigente, criar cavalos de raça é uma forma feliz de se empobrecer. “Eu não invisto mais porque consegui formar um plantel de muita qualidade, com orientação dos criadores mais antigos e treinando o olho.”

Criador por acaso

O estrategista de marketing Vagner, da Coudelaria Aguilar, conta que se tornou criador por acaso. “Eu era muito workaholic, fui ao cardiologista e ele me mandou pescar, fazer trilha ou montar a cavalo para desestressar. Acabei comprando uma égua lusitana, fiz cavalgadas na Serra da Canastra e em vários outros lugares e comecei a criar a raça por amor.”

Ele conta que comprava lusitanos em leilões por tentativa e erro, já tinha um haras com dez cavalos e estava gastando com um hobby sem foco comercial. “Um haras precisa ter um plano de negócios. Cheguei a investir R$ 600 mil sem planejamento. Estava perdendo dinheiro, não tinha boa equipe, nem bom pasto, estrutura ou manejo. Decidi, então, transformar o hobby em negócio.”

Primeiro, ele focou na revenda de animais de descarte que comprava de grandes haras, direcionando os lusitanos para passeios, shows e romarias. Lançou o primeiro site do país de comercialização de cavalos lusitanos com entregas em todo o país. Passou então a investir também na criação própria.

“Importei tecnologia, sêmen e know how para aprender a criar cavalos lusitanos de elite. A cada quatro anos você faz uma geração. Uma égua demora 11 meses para parir. Como o treino só começa depois dos 3 anos, se errar nas escolhas, perde três gerações.”

Atualmente, Vagner tem 22 éguas matrizes, que geram 11 machos e 11 fêmeas por ano. Em média, morrem três animais. Ele diz gastar cerca de R$ 2.000 por mês para manter um cavalo.

Mais premiada

A Coudelaria Rocas do Volga, que ocupa 70 alqueires em Itu (SP), é a mais premiada do país, segundo o presidente da ABPSL. Pertence à família de origem portuguesa Tavares da Veiga, dona da cachaça Velho Barreiro, e realiza um leilão de lusitanos há 30 anos.

Orpheu Avila Jr, veterinário e gerente da coudelaria, diz que o pai da mulher de Manuel Tavares, Teresa, criava manga-larga. Ela praticava salto e, com a criação de lusitano, passou para o adestramento. Os quatro filhos do casal, Pedro, Manoel, Taisa e Luisa, também montam com a raça desde crianças e já representaram o Brasil em Mundiais, Pan-Americanos e Olimpíadas.

Além de exportar de 8 a 10 cavalos para Estados Unidos e México por ano, a coudelaria já fez quatro leilões na Flórida. Também exporta esporadicamente para Portugal, passando antes por outros países.

Nascem no haras, segundo Avila Jr., cerca de 55 potros por ano. Os preços dos cavalos da Roca variam de acordo com o pedigree e o grau de ensino. Um cavalo que chega na doma custa de R$ 25 mil a R$ 30 mil. Já um lusitano graduado, com resultados em provas e morfologia adequada varia de R$ 50 mil a mais de R$ 500 mil.

Criados basicamente para serem atletas do adestramento, os cavalos de elite recebem ração especial e tem sessões de acupuntura, fisioterapia, massagens, além dos cuidados de dentistas, ferradores, treinadores e outros profissionais.

“Antes, criar cavalos era hobby. Hoje, é mais negócio ou um hobby que tem que se pagar. Como a família Tavares da Veiga pratica o esporte, produz muito para competir. A cada dois anos, treina quatro ou cinco cavalos de alto nível para atender essa demanda.”

Avila Jr. também é criador de lusitano para competição. Por ano, nascem em seu haras 10 animais. O filho dele, Victor Trielli Avila, praticamente cresceu no haras e foi quatro vezes campeão brasileiro no adestramento. Hoje, treina e trabalha na Alemanha.

Mão de obra

O cirurgião Rodrigo Betarelli conta que desde criança gostava de cavalos, comprou um lusitano há 17 anos, antes de iniciar a residência médica, e se apaixonou pela raça. Ele fundou então a Coudelaria Amor e Cura em Bertioga que tem 40 animais e cria de 8 a 12 lusitanos por ano.

Betarelli exporta de 3 a 5 cavalos por ano para os Estados Unidos. O embarque inclui desde potros recém-domados de 4 anos e valores de US$ 15 mil a US$ 20 mil a cavalos com mais treinamento e experiência em provas que podem chegar a US$ 100 mil.

Segundo ele, a criação de lusitano exige um investimento de médio e longo prazo. Tem que preparar a égua, fazer a inseminação, esperar os 11 meses de prenhez e o desmame com 6 meses. A doma só começa com 3 anos. “Tudo isso requer mão-de-obra qualificada, o que é um grande gargalo do Brasil.”

O presidente da associação concorda e diz que seria necessário criar uma escola de formação para mão-de-obra como existe na Europa. “Lá a criança entra no haras com 12 anos e sai como cavaleiro.”

Exportando talentos

Atualmente, o que o Brasil exporta para a Europa são atletas de adestramento. São profissionais como o campeão olímpico João Victor de Oliva, filho da estrela do basquete Hortência e do empresário e criador de lusitanos José Victor Oliva. João, 28 anos, além de competir, doma e treina cavalos em Portugal para a disputa de GPs.