Seguro rural em crise: custos altos e falta de verba pública impactam o setor

Custos elevados e falta de recursos públicos reduzem seguro rural. Produtores enfrentam margem apertada e contingenciamento de subvenções, deixando lavouras desprotegidas diante de riscos climáticos.

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Foto: Isac Nóbrega/PR

Com a chegada do final do ano, muitos produtores rurais avaliam os gastos da atividade e buscam organizar as finanças. Embora a maioria dos custos fosse prevista no planejamento, o seguro rural surge como um item de grande importância com cobertura no menor patamar de quase uma década.

O coordenador executivo do Observatório do Seguro Rural da FGV Agro, Pedro Loyola, aponta a margem reduzida do produtor como um dos principais impulsionadores desse cenário. Segundo ele, aqueles com maior percepção de risco, por já terem enfrentado perdas, são os que mais utilizam o seguro rural.

“Já o produtor com percepção menor pensa: ‘a margem já está pequena, vou gastar com isso?’ Ele vai investir em tecnologia, porque o risco é mais baixo que o geral”, ressalta.

O mesmo raciocínio se aplica a quem aguarda a liberação dos recursos subsidiados pelo governo. O programa de subvenção ao prêmio de seguro rural (PSR) conta atualmente com R$ 548 milhões, mas aproximadamente R$ 300 milhões permanecem contingenciados. Caso esse valor não seja liberado, o especialista alerta que muitos produtores podem rescindir suas apólices.

“O ideal é que o produtor mantenha o seguro, mesmo que precise negociar uma redução da cobertura. Cancelar pode trazer um grande prejuízo se houver perda climática”, afirma.

Mercado em desequilíbrio

Diante desse contexto, a diminuição na contratação de seguros tende a gerar o que o mercado denomina como seleção adversa. Apenas os produtores com maior risco e histórico de perdas buscam cobertura, elevando o custo do prêmio para todo o setor.

“Com menos produtores contratando, o risco não se dispersa. As indenizações ficam concentradas e o seguro se torna mais caro”, explica Loyola. O especialista estima que o pagamento de sinistros compreende de 65% a 70% do valor dos prêmios. Com a concentração em áreas mais suscetíveis a perdas, o custo tende a aumentar.

Outro ponto de atenção é a redução na subvenção de áreas, que caiu de 14 milhões de hectares para apenas 2,5 milhões. Essa diminuição impacta o mercado e pode levar à saída de seguradoras, corretores e peritos, comprometendo uma estrutura construída ao longo de duas décadas.

“É um problema estrutural. Leva anos para montar um mercado, e a própria ação governamental enfraquece o programa”, destaca.

Em um balanço divulgado nesta terça-feira (4), a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) confirmou a queda nas operações de seguro rural em 2025, atribuída à redução dos recursos públicos disponíveis. Os dados indicam um recuo de 2,7% no volume arrecadado com a modalidade este ano e a menor taxa de cobertura já registrada, cobrindo apenas 2,3% da área plantada.

Sem política de gestão de riscos

Diante desses fatores, Loyola defende a necessidade de o Brasil implementar uma política permanente de gestão de riscos, transcendendo medidas pontuais de crédito ou renegociação de dívidas.

“O produtor renegocia, resolve o problema de um ano, mas dois anos depois enfrenta a mesma situação. É uma bola de neve”, comenta. Para ele, o crédito rural só atinge sua plena eficácia quando associado ao seguro, especialmente em face das mudanças climáticas.

“O crédito é essencial para o plantio, mas sem seguro o planejamento se desmorona. Renegociar dívida é um paliativo”, alerta.

Futuro incerto

Enquanto a atual safra de soja avança por quase metade do país, as atenções se voltam para as condições climáticas e a disponibilidade hídrica nas lavouras. Segundo o meteorologista, o clima não deve afetar significativamente a produção do grão neste ano, mesmo com a atuação do La Niña, fenômeno conhecido por suas variações de chuva e seca em diferentes regiões.

Nesse sentido, Loyola reitera a importância fundamental da contratação do seguro rural para as lavouras. “Hoje, praticamente não há apólices no país com apoio de subvenção para soja e a gente está com o La Niña instalado. Só não sabemos a severidade”, alerta.

Apesar disso, o consultor conclui que o principal entrave reside nos recursos liberados pelo governo federal. “Os produtores estão totalmente desamparados. Quando o risco climático é iminente, o seguro deveria ser prioridade, mas não é o que observamos”, lamenta.

A recomendação imediata, conforme um material elaborado pelo Observatório do Seguro Rural da FGV Agro, é a recomposição do orçamento do PSR ainda em 2025, seguida pelo aumento dos valores ofertados em 2026. Segundo o documento, essas ações assegurariam a execução dos recursos sem a necessidade de contingenciamentos.

Fonte: Canal Rural.