Novo biscoito inovador utiliza farinha de casca de café fino

Universidade de Brasília patenteia biscoito com 30% de farinha de casca de café, agregando valor a subproduto e promovendo nutrição.

Biscoito feito a partir da farinha da casca do café
Foto: Enrique Alves

A Universidade de Brasília (UnB) solicitou uma patente para uma receita inovadora de biscoito, utilizando farinha de cafés Robustas Amazônicos (Coffea canephora). Esta formulação substitui aproximadamente 30% da farinha tradicional, oferecendo uma alternativa mais nutritiva e acessível para consumidores que buscam uma dieta balanceada, graças à sua maior concentração de fibras, antioxidantes e cafeína.

Esta iniciativa pioneira também abre um novo e promissor mercado para a casca do café, um subproduto que, até então, era predominantemente utilizado como fertilizante no Brasil. O estudo, que levou dois anos para ser concluído, é fruto de uma colaboração entre a UnB e a Embrapa Rondônia (RO).

De acordo com Enrique Alves, pesquisador da Embrapa, as cascas de cafés classificados como finos – com pontuação superior a 80 pela Specialty Coffee Association (SCA) – são matérias-primas valiosas, ricas em diversidade sensorial e nutricional, por vezes superando os próprios grãos. “No entanto, no Brasil, o uso principal é como adubo”, ressalta.

Potencial de alto valor agregado

Além de atenderem aos critérios de cafés finos pela SCA, as variedades de Cafés Robustas Amazônicos, selecionadas pela Embrapa em parceria com cafeicultores das Matas de Rondônia, foram a base para a criação da primeira Indicação Geográfica (IG) de Coffea canephora do mundo: a “IG Matas de Rondônia”, reconhecida pelo INPI em 2021.

O projeto foca no desenvolvimento de cultivares adaptadas à região e à Floresta Amazônica, cujos cultivos são majoritariamente realizados por agricultores familiares, indígenas e comunidades tradicionais. “Atualmente, mais de 17 mil famílias em todo o estado de Rondônia cultivam essas variedades”, informa o pesquisador.

Portanto, a agregação de valor a este subproduto tornou-se uma prioridade para a Embrapa, como explica Alves. “Além da qualidade intrínseca, as cascas dos Cafés Robustas Amazônicos possuem características diferenciadas de sustentabilidade, pois são cultivadas na Amazônia por povos indígenas e comunidades tradicionais”, enfatiza.

União entre Embrapa e UnB

Diante desse cenário, a Embrapa Rondônia e a UnB uniram forças em pesquisas voltadas à valorização das cascas de Cafés Robustas Amazônicos, explorando diversas abordagens de processamento pós-colheita.

A vertente de pesquisa, liderada pela engenheira de alimentos e professora da UnB, Lívia de Oliveira, concentra-se na caracterização química, funcional e sensorial dessas cascas, bem como em sua aplicação em alimentos, bebidas e cosméticos, visando uma cafeicultura mais sustentável e integrada à economia circular.

O estudo, iniciado em 2023, avaliou o potencial químico e sensorial das cascas de Robustas Amazônicos da cultivar Apoatã, produzidas pela Embrapa Rondônia, sob três métodos de processamento distintos: natural (secagem do fruto inteiro em terreiro suspenso por aproximadamente 20 dias), lavado (despolpamento mecânico e secagem do pergaminho) e fermentação anaeróbica autoinduzida (fermentação espontânea em ambiente sem oxigênio, com duração de 2 a 20 dias, seguida de secagem e descascamento).

As amostras foram analisadas quanto à sua composição proximal, compostos bioativos, açúcares, ácidos orgânicos e voláteis, além de terem passado por avaliação sensorial através de infusões e produtos derivados.

Biscoito feito a partir da farinha da casca do café
Foto: UnB

Conforme reportado por Lívia, os resultados revelaram que:

  • As cascas processadas pelo método natural apresentaram teores mais elevados de compostos fenólicos, flavonoides, antocianinas e fibras, além de um perfil aromático doce e caramelizado.
  • As cascas lavadas (provenientes do processamento via úmida) demonstraram menor complexidade química e volátil, com predominância de compostos estruturais e uma menor quantidade de açúcares.
  • As cascas submetidas à fermentação anaeróbica autoinduzida exibiram grande variação dependendo do período de fermentação. Amostras com 4 a 20 dias de fermentação revelaram aromas frutados e florais com bom equilíbrio sensorial, enquanto aquelas com tempos intermediários (10 a 16 dias) apresentaram notas mais secas e amargas.

Essas diferenças foram atribuídas à atividade microbiana no metabolismo de açúcares e fenólicos, que influenciou a formação de ácidos orgânicos, ésteres e furanonas – compostos essenciais para o sabor e aroma dos alimentos, formados durante o processamento. Essa modulação resultou em perfis sensoriais distintos e potenciais de aplicação variados para cada tipo de casca.

Novo biscoito: mais fibras e menos açúcares

A professora explica que, com base nessas descobertas, um segundo eixo de pesquisa foi estabelecido, focado na aplicação alimentar das cascas. Este eixo resultou na criação de um biscoito com 30% de farinha de casca de Robusta Amazônico. Este é um marco significativo, visto que, segundo a literatura científica, o máximo de substituição de farinha registrado até o momento era de 15%.

As formulações otimizadas com lecitina e polidextrose resultaram em um aumento de até 15 gramas de fibras por 100g de produto. Adicionalmente, houve uma redução de até 45% nas gorduras saturadas e 25% nos açúcares adicionados, mantendo a conformidade com a RDC nº 429/2020 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A melhor aceitação sensorial foi observada em amostras produzidas a partir de cascas naturais e fermentadas por quatro ou 20 dias, combinadas com notas doces, frutadas e amanteigadas. “Esses resultados demonstram que o método de processamento da casca é um fator crucial para as características sensoriais do produto final. Ainda assim, todos os biscoitos elaborados obtiveram aceitação sensorial satisfatória, confirmando que as cascas de qualquer um dos processos podem ser utilizadas como ingrediente neste tipo de produto”, ressalta Lívia.

A receita final, submetida ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em 4 de setembro, emprega um processo de fermentação de oito dias. De acordo com a professora, este período permite que o produto retenha o açúcar natural da polpa, evite a fermentação excessiva e apresente notas frutadas, conferindo um sabor diferenciado ao biscoito.

A validação do produto final contou com a avaliação sensorial de mais de 250 consumidores convidados pela UnB para degustar os biscoitos desenvolvidos nas diversas etapas da pesquisa.

*Sob supervisão de Beatriz Gunther

Fonte: Canal Rural.