Economia e prato feito: a força da alimentação básica em tempos de incerteza no agronegócio

A força do emprego impulsiona o consumo de alimentos básicos do agronegócio brasileiro a despeito dos desafios fiscais. O prato feito, sustentado pela produção rural, se consolida como pilar da economia nacional.

prato feito, Marcelo Lüders
Imagem criada por inteligência artificial

A economia brasileira atravessa um período caracterizado por um cenário peculiar e repleto de desafios. Por um lado, o país lida com mazelas estruturais significativas, evidenciadas por uma dívida pública que já ultrapassa a marca de 75% do PIB, taxas de juros elevadas e um crescimento contínuo dos gastos governamentais que supera a capacidade de arrecadação. Por outro lado, o Brasil surpreende com um desempenho econômico acima das expectativas, o desemprego atingindo os menores patamares históricos e um consumo de alimentos robusto.

O economista Ricardo Amorim descreveu essa dinâmica como um verdadeiro paradoxo. “O Brasil vive um paradoxo: problemas fiscais sérios e, ainda assim, crescimento econômico acima das previsões.”

Essa disparidade de cenários contribui para explicar a persistência do aumento no volume de vendas da cesta básica e de alimentos essenciais, mesmo em um contexto de instabilidade fiscal e custo de crédito elevado.

Segundo dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), o consumo nos lares apresentou um crescimento de 2,67% em 2025 (até setembro), quando considerados valores reais deflacionados, superando em 2,79% o mesmo período de 2024. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que o varejo total avançou 1,6% no acumulado do ano e atingiu, em fevereiro, o pico histórico em sua série. Dentre os setores, o de “hiper e supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo” destacou-se como um dos principais impulsionadores, com uma elevação de 1,1% em agosto.

Outro indicador relevante, da NIQ (anteriormente NielsenIQ), reforça essa resiliência: em 2023, a cesta de alimentos e bebidas registrou um crescimento de 7,4% em volume, superando a média geral de todas as categorias, que foi de 1,9%.

Mesmo em meses de flutuação, como em agosto de 2025, quando os dados de Ponto de Venda (PDV) indicaram uma queda de 4,4% em volume acompanhada por um aumento de 2,5% em receita, o comportamento do consumidor sinaliza uma tendência estrutural clara: a prioridade permanece fixada no alimento.

A justificativa para isso é bastante direta e impactante: o fortalecimento do emprego e da renda real. Atualmente, observa-se um aumento de 23 milhões de brasileiros empregados em comparação com quatro anos atrás, e a massa salarial, após o ajuste pela inflação, cresceu aproximadamente R$ 80 bilhões. Essa injeção de recursos, distribuída mensalmente, sustenta a demanda por itens fundamentais como feijão, arroz, óleo, farinha, açúcar, pães e biscoitos, mantendo o dinamismo do comércio, da indústria e, consequentemente, do setor produtivo rural.

Apesar da taxa Selic ainda em patamares elevados e da contração no crédito para bens duráveis, a renda disponível permite que o consumidor mantenha o consumo de itens essenciais e, em muitos casos, eleve a qualidade dos produtos adquiridos. Este fenômeno é conhecido como “substituição positiva”: o troco de gastos com supérfluos e lazer por alimentos de verdade, mais nutritivos e com origem rastreável.

O agronegócio brasileiro, mesmo diante de obstáculos relacionados a custos e logística, vive um de seus períodos mais produtivos, com uma safra de grãos estimada em um expressivo aumento de 17%. Essa fartura contribui para a estabilidade dos preços dos alimentos, contrabalançando o incremento da demanda, e fortalece a economia do campo. O agronegócio se consolida, mais uma vez, como a base que sustenta o consumo doméstico e previne desequilíbrios mais severos.

Adicionalmente, o Brasil se beneficia de um cenário externo atípico. Tensões geopolíticas, como o conflito na Ucrânia, disputas comerciais entre Estados Unidos e China, e a instabilidade em economias emergentes, levam fluxos de capital a buscarem portos seguros em mercados mais previsíveis, como o brasileiro. Essa movimentação favorece a atração de investimento direto, a expansão da geração de empregos e reforça o ciclo virtuoso do consumo.

Contudo, é crucial um alerta: esse ciclo não é perene. Um eventual agravamento do cenário global ou a contínua postergação dos ajustes nas contas públicas podem resultar na migração de capitais e na perda de ímpeto do consumo. O verdadeiro desafio reside em capitalizar essa fase de aparente prosperidade para construir um crescimento sustentável, pautado pela produtividade, eficiência fiscal e pela valorização dos setores que verdadeiramente alimentam e empregam a nação.

Enquanto isso, o tradicional prato feito brasileiro, composto por arroz, feijão, proteína e salada, enfrenta a concorrência agressiva do marketing de produtos ultraprocessados. O aumento dos problemas de saúde associados a esses alimentos demanda uma resposta efetiva.

A comida de verdade transcende a esfera nutricional, configurando-se como um pilar econômico e cultural que conecta o campo à cidade, o produtor ao consumidor. É ela que fornece a base física e, até mesmo, psíquica para que nossa população enfrente os desafios de um mundo polarizado, que busca manipulá-la política e economicamente.

Diante desse quadro, iniciativas como o movimento Viva Feijão, liderado pelo Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), adquirem relevância crescente. Elas demonstram que o futuro da alimentação e da economia pode e deve ser moldado por uma agricultura mais consciente, regenerativa e valorizada. O feijão, um alimento acessível, nutritivo e com profunda identidade nacional, posiciona-se no centro dessa transformação. Em tempos de instabilidade fiscal e política, é o alimento de verdade que confere estabilidade ao país.

Embora a economia brasileira possa apresentar desequilíbrios, há um elemento fundamental que a mantém em movimento: a confiança da população em ter o prato cheio e o trabalho árduo de quem dedica seu esforço à produção de cada grão. O desafio atual é converter esse consumo em um desenvolvimento com propósito, onde a produção e o consumo de alimentos de qualidade caminhem de mãos dadas.

Afinal, como a história recente atesta, a força do Brasil se origina no campo e culmina no prato, preferencialmente, com a presença marcante do feijão.

*Marcelo Lüders é presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), e atua na promoção do feijão brasileiro no mercado interno e internacional


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Fonte: Canal Rural.