
Cerca de 3,4 bilhões de pessoas em todo o mundo ainda não têm acesso a saneamento básico, de acordo com um relatório recente das Nações Unidas. Além dos impactos ambientais e na saúde, essa situação agrava a crise climática global, contribuindo para eventos extremos como enchentes, secas prolongadas, insegurança alimentar e deslocamentos forçados.
Em entrevista, o consultor de Água e Clima na organização Sanitation and Water for All (SWA), Jose Gesti, destacou que sem serviços resilientes de água e saneamento, os países enfrentam dificuldades para se adaptar às mudanças climáticas. “Cada evento ganha dimensões ainda mais extremas onde a infraestrutura urbana é falha”, afirmou. Gesti participou de eventos promovidos pela SWA na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, que reúne governos e sociedade civil em busca de soluções integradas.
A situação do saneamento em Belém exemplifica a conexão entre o problema local e a escala global. A cidade, sede da COP30, figura entre os dez piores municípios do país no ranking de saneamento elaborado pelo Instituto Trata Brasil. Em 2025, apenas 27,51% da população tinha acesso ao sistema de esgoto, evidenciando a urgência de ações efetivas. Para Gesti, é fundamental que políticas públicas e investimentos, tanto do setor público quanto do privado, priorizem comunidades historicamente excluídas, promovendo maior transparência e participação social.

Questionado sobre os principais desafios atuais para avançar na agenda de saneamento, Gesti destacou que há uma grande distância entre compromissos políticos e avanços concretos. “Com apenas cinco anos restantes para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ainda estamos longe do acesso universal”, afirmou. Segundo ele, 2,1 bilhões de pessoas ainda não têm acesso à água potável segura, enquanto 3,4 bilhões carecem de saneamento adequado, incluindo 354 milhões que ainda praticam a defecação a céu aberto. Esses números representam crianças consumindo água contaminada, famílias presas em ciclos de doenças evitáveis e comunidades incapazes de sair da pobreza.
Para conectar o tema à emergência climática, Gesti ressaltou que os impactos do clima estão se intensificando rapidamente. “Enchentes, secas prolongadas, insegurança alimentar e deslocamentos forçados são sintomas do agravamento da insegurança hídrica”, explicou. Ele reforçou a importância de integrar água, saneamento, saúde, meio ambiente e finanças para fortalecer a resiliência. “Cada dólar investido em água e saneamento gera múltiplos retornos, melhorando a saúde pública, a produtividade econômica e a estabilidade climática. Água e saneamento não são temas periféricos, mas centrais na ação contra as mudanças climáticas”, afirmou.
Sobre a realização da COP30 em Belém, Gesti destacou que o evento representa uma oportunidade de colocar o tema do saneamento na agenda global. “A COP30 oferece uma plataforma para elevar essa pauta ao mais alto nível político, especialmente com a ênfase na adaptação, equidade e resultados concretos”, disse. Ele acredita que a conferência pode ajudar a transformar desafios locais em prioridades globais, atraindo financiamento e mobilizando ações políticas. Além disso, a COP é uma chance de dar visibilidade às soluções integradas, como projetos urbanos permeáveis, redes de esgoto resilientess e a proteção de bacias hidrográficas, que reduzem impactos de desastres e fortalecem a resiliência social, permitindo que vozes locais influenciem decisões internacionais.
Gesti também abordou a relação entre desigualdade no acesso à água e o racismo ambiental. “As comunidades mais afetadas pela falta de serviços adequados de água e saneamento são, de forma desproporcional, populações marginalizadas”, afirmou. Essas comunidades vivem em áreas com infraestrutura precária, maior exposição à contaminação e enchentes recorrentes, além de terem menos recursos para recuperação. Para ele, essas desigualdades refletem décadas de investimento público desigual e representam uma injustiça estrutural. “Quando o acesso à água potável depende de raça, geografia ou renda, estamos falando de violações de direitos humanos e do racismo ambiental”, concluiu. Para superar essas disparidades, é necessário que políticas e mecanismos de financiamento priorizem comunidades historicamente excluídas, promovendo transparência, responsabilização e maior protagonismo da sociedade civil na tomada de decisões.
Jose Gesti: Um dos desafios mais urgentes é a distância entre compromissos políticos e progresso real. Com apenas cinco anos restantes para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ainda estamos longe do acesso universal.
Um relatório recente da ONU mostra que 2,1 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável segura, e 3,4 bilhões carecem de saneamento seguro, incluindo 354 milhões de pessoas que ainda praticam a defecação a céu aberto.
Esses não são números abstratos – representam crianças bebendo água de rios contaminados, famílias presas em ciclos de doenças evitáveis e comunidades incapazes de romper com a pobreza.
Agência Brasil: Como podemos conectar o tema com o da emergência climática?
Gesti: Enfrentamos impactos climáticos que estão se intensificando rapidamente. Enchentes, secas prolongadas, insegurança alimentar e deslocamentos forçados são todos sintomas do agravamento da insegurança hídrica.
Sem serviços resilientes de água e saneamento, os países não conseguem se adaptar de forma eficaz à emergência climática. Cada evento climático extremo torna-se mais devastador onde a infraestrutura falha.
É por isso que, na Reunião de Ministros de Setor de 2025 em Madri, defendemos o fim de abordagens fragmentadas e isoladas. Integrar água, saneamento, saúde, meio ambiente e finanças é essencial para fortalecer a resiliência e melhorar a eficiência.
Evidências mostram que cada dólar investido em água e saneamento gera múltiplos retornos, melhorando a saúde pública, a produtividade econômica e a estabilidade climática. Água e saneamento, portanto, não são temas periféricos – são centrais para a ação climática.

Agência Brasil: Considerando que Belém enfrenta desafios históricos nessa área, que você pode ter observado durante sua estadia, em que medida a COP30 representa uma oportunidade para destacar esses temas e conectar a realidade local com os debates globais?
Jose Gesti: O abastecimento de água e o saneamento básico são fundamentais para a dignidade humana, oportunidades econômicas e resiliência climática. A COP30 oferece uma plataforma-chave para elevar essa agenda ao mais alto nível político, especialmente à medida que a presidência tem enfatizado adaptação, equidade e entrega real de resultados.
Os debates mostram que a comunidade global reconhece cada vez mais que, sem sistemas fortes de água e saneamento, os países não estão preparados para as pressões climáticas já em curso. Colocar água e saneamento no centro das negociações climáticas cria espaço para transformar desafios locais em prioridades globais, atrair financiamento, mobilizar iniciativas políticas e acelerar implementações práticas.
A COP30 também é uma oportunidade para dar visibilidade às perspectivas das comunidades e demonstrar soluções integradas – como projetos urbanos permeáveis, redes de esgoto resilientes e proteção de bacias hidrográficas – que reduzem impactos de desastres e fortalecem a resiliência social. Isso permite que vozes locais influenciem decisões globais, deslocando o debate de promessas para resultados mensuráveis.
Agência Brasil: Você concorda que existe uma relação direta entre o acesso desigual à água e ao saneamento e o que especialistas denominam racismo ambiental?
Jose Gesti: Ao redor do mundo, as comunidades mais afetadas pela falta de serviços adequados de água e saneamento são, de forma desproporcional, populações marginalizadas. Elas têm maior probabilidade de viver em áreas com infraestrutura limitada, maior exposição à contaminação e enchentes recorrentes, e menos recursos para recuperação. Esses padrões são resultado de décadas de investimento público desigual – não coincidência.
Quando o acesso à água potável depende de raça, geografia ou renda, não estamos discutindo apenas lacunas de infraestrutura – estamos falando de injustiça estrutural e violações de direitos humanos básicos. Essa é a expressão prática do racismo ambiental.
Para superá-lo, políticas e mecanismos de financiamento precisam priorizar explicitamente comunidades historicamente deixadas de lado, garantir transparência e responsabilização, e fortalecer o protagonismo da sociedade civil na tomada de decisões.
A equidade deve ser a base da prestação de serviços públicos – porque saneamento resiliente e inclusivo é essencial para sociedades saudáveis, seguras e prósperas.
Fonte: Agência Brasil








