Duas vinícolas do Estado lançarão nesta semana rótulos com rastreabilidade via blockchain
Os vinhos do Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul, foram os primeiros produtos agropecuários brasileiros a obter o reconhecimento de indicação geográfica. Em 2002, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) concedeu à região o registro de Indicação de Procedência (IP) e, em 2012, o de Denominação de Origem (DO), o primeiro do gênero para vinhos no Brasil.
Agora, as vinícolas da região estão prestes a anunciar um novo feito pioneiro: o lançamento dos primeiros vinhos nacionais a contar com rastreabilidade feita a partir de uma plataforma de blockchain. A apresentação da novidade será na quinta-feira (17/10), durante um painel na Mercopar 2024, feira de inovação industrial que acontece em Caxias do Sul (RS).
Conhecida por seu uso em criptomoedas como o Bitcoin, o blockchain é uma tecnologia de registro de dados. Nesse sistema, as informações sobre um determinado produto — local e data de produção, por exemplo — estão unidas, em ordem cronológica, por meio de “correntes de blocos” (as “blockchains”), que permitem rastrear toda a cadeia daquele item. Produtores argentinos de vinhos já adotam a ferramenta.
O registro detalhado de todo o ciclo produtivo do vinho — processo chamado de “tokenização” — tem sido adotado para identificar vinhos engarrafados por duas vinícolas de Bento Gonçalves (RS), a Pizzato e a Dom Cândido. O trabalho surgiu a partir de um projeto-piloto que, nos últimos meses, Sebrae/RS e iCoLab, um instituto colaborativo de blockchain, desenvolveram em conjunto. A plataforma que nasceu desses esforços ganhou o nome de Origem RS.
Segundo André Bordignon, coordenador de projetos setoriais de Agronegócio e gestor dos projetos de Indicação Geográfica do Sebrae/RS, o objetivo inicial da iniciativa era verificar como a rastreabilidade por blockchain poderia agregar valor às vinícolas e qual o modelo mais adequado para navegação na plataforma. Para abastecer a ferramenta, os técnicos usaram inicialmente dados da safra de 2022, que receberam validação da Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale). Em seguida, eles inseriram essas informações na blockchain e geraram um NFT, sigla em inglês para “token não fungível”, que é um certificado digital de propriedade inviolável.
Depois dessa etapa, imprimiram-se rótulos dos vinhos “tokenizados” com um QR Code. Ao escaneá-lo, o consumidor pode acessar os detalhes sobre cada produto, como, por exemplo, a documentação completa da vinícola, o registro da área produtiva, especificações da uva e as características do vinho, incluindo todo o histórico de produção.
“Esse sistema estabelece um modelo de rastreabilidade de todo o processo de fabricação do vinho que não pode ser adulterado. Para as vinícolas, isso dá mais credibilidade e um potencial crescimento de mercado. Já o consumidor terá acesso mais fácil às informações do produto, que garantem que ele está comprando um vinho de origem legítima”, avalia Bordignon.
A Dom Cândido vai lançar três rótulos “tokenizados”. Vicenzo Goelzer, procurador da vinícola, diz que a empresa decidiu fazer parte do projeto desde o início para valorizar ainda mais os vinhos do Vale dos Vinhedos que já têm denominação de origem, certificação que exige o cumprimento de critérios rígidos. “Com a tokenização, o consumidor pode ter acesso a registros detalhados do vinho, desde a documentação da vinícola até informações sobre área produtiva, uva, histórico e produção e características da bebida”, afirma.
Segundo Goelzer, com a iniciativa, a vinícola quer criar uma relação direta de confiança com o consumidor. “Quem compra uma bebida tem direito de saber todos os detalhes do produto. Com essa ferramenta, além da experiência olfativa e degustativa que o vinho traz às pessoas, agora também é possível ter uma experiência intelectual, de informações”, acrescenta.
Para Goelzer, uma vantagem adicional da “tokenização” é que ela evita o risco de pirateamento do produto. “As informações dentro da blockchain são imutáveis. Esse vinho pode então ser lastreado, o que dá mais confiança ao consumidor”, diz.
Flávio Pizzato, enólogo da Vinícola Pizzato, destaca outra vantagem da ferramenta: a possibilidade do comércio de tokens, criando um “mercado futuro de vinhos”. A empresa vai lançar oito rótulos “tokenizados”.
“Em vez de esperar a garrafa pronta para a venda, podemos vender os tokens, as informações do vinho de antemão para o comprador retirar o produto quando desejar. Isso permite antecipar receitas, e o comprador pode revender o NFT, criando um mercado secundário”, comenta.
André Bordignon, do Sebrae/RS, conta que já há planos para o lançamento de projetos semelhantes em outras cadeias do agronegócio. “Queremos expandir essa iniciativa para outras associações de vinhos do Rio Grande do Sul e para outras cadeias produtivas, como a do azeite de oliva e a da carne de qualidade, que também necessitam cada vez mais de garantias de rastreabilidade e informações sobre origem dos produtos”, relata.