
A dinâmica dos mercados financeiros é marcada por ciclos alternados de euforia e retração, onde a ambição humana frequentemente precede a realidade. Atualmente, uma onda de otimismo parece prevalecer. O índice Nasdaq, referência global em tecnologia, alcançou patamares de euforia que remetem à bolha da internet no início dos anos 2000.
Em paralelo, o Ibovespa, embora com uma trajetória menos acentuada, também reflete esse sentimento positivo, impulsionado por expectativas de redução de juros, recuperação econômica e crescimento de lucros. No entanto, um indicador crucial merece atenção: o nível de endividamento de países, corporações e famílias nunca foi tão elevado.
Endividamento: Um Sinal de Alerta Crescente
Dados do Institute of International Finance (IIF) revelam que o endividamento global superou a marca de US$ 324 trilhões, o valor mais alto da história. Essa cifra equivale a aproximadamente 350% do Produto Interno Bruto (PIB) global anual. Pela primeira vez, o mundo deve um valor equivalente a três vezes e meia a sua própria produção econômica.
Governos operam com déficits, empresas buscam crédito para sustentar suas margens de lucro e famílias recorrem ao financiamento para cobrir seus custos de vida. A engrenagem econômica opera em alta velocidade, alimentada por dinheiro barato e pela crença em um crescimento contínuo. Contudo, qualquer sistema sob pressão excessiva está propenso a falhas.
A Crise de 1929 foi um reflexo direto desse otimismo exacerbado, caracterizado por crédito acessível, especulação desenfreada e a convicção de que os preços jamais cairiam. O colapso resultante devastou mercados de ações, instituições financeiras e gerou desemprego em massa. Décadas depois, a bolha da Nasdaq em 2000 apresentou um roteiro semelhante, onde a mera existência de um website garantia valorizações bilionárias. Com a ausência de lucros correspondentes, o índice desabou mais de 75% em apenas dois anos. Em 2008, a ilusão do crédito imobiliário farto inflou novamente o sistema, culminando em uma crise de proporções globais.
Atualmente, o cenário se repete com novos atores: startups, fintechs e plataformas digitais impulsionadas pela inteligência artificial (IA). A IA promete e possui potencial para transformar o mundo, mas também fomenta uma nova onda de euforia. Algoritmos projetados para sugerir a compra de ações e ativos são treinados com dados que refletem esse mesmo otimismo desmedido, criando um ciclo de retroalimentação emocional mascarado por uma aparente racionalidade matemática. O perigo reside na possibilidade de o entusiasmo gerado pelas máquinas replicar os erros humanos.
Mercados Financeiros: Uma Lição Ainda Não Aprendida
Com a vivência das últimas grandes crises financeiras, testemunhei de perto a rápida transição do entusiasmo ao pânico. Essa euforia atual me causa profunda apreensão. Os mercados apostam na tecnologia como solução universal, negligenciando as variáveis fundamentais que permanecem constantes: endividamento, taxas de juros e expectativas. Quando esses três elementos se alinham de maneira arriscada, uma correção de mercado torna-se inevitável.
Mesmo o Ibovespa, que ainda apresenta um valuation descontado em comparação a mercados desenvolvidos, tem se beneficiado dessa onda de euforia global. Contudo, uma reversão no cenário internacional, marcada por desaceleração econômica, fuga de capitais ou um novo ciclo de alta nos juros, impactaria diretamente o Brasil. A retração do capital global afeta de forma significativa até mesmo as economias mais promissoras, resultando em desvalorização e redução de liquidez.
O mundo jamais acumulou uma combinação tão ampla de dívida recorde, juros elevados e crescimento econômico fraco. Esse tripé instável e perigoso diminui a tolerância a choques, inibe investimentos e eleva o risco de uma correção simultânea, afetando desde os mercados de Nova York até a B3.
Em finanças, o problema não é ter ambições, mas sim pagar um preço excessivo por elas antes de sua concretização. A lição de 1929, 2000 e 2008 é uniforme: quando os preços se descolam da realidade, a própria realidade encontra um caminho para reajustá-los. E, desta vez, com a dívida global em seu pico histórico e a inteligência artificial potencializando o otimismo, qualquer instabilidade pode evoluir para uma avalanche de consequências.
As opiniões e conceitos expressos nos textos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores. Por: Miguel Daoud.
Fonte: Canal Rural.









